quarta-feira, 6 de novembro de 2013

"A seca" ou "Nem todas as estatísticas são frias"

Gado morto à beira da BR-232, próximo a Serra Talhada, PE.
(Foto de Daniel Maia Gomes, 13/1/13)
Números não mentem: no Semiárido nordestino, em 2012, foram perdidos 80% da produção de feijão, 66% da produção de milho e 40% da de mandioca. Repito: 80% da produção de feijão, 66% da produção de milho e 40% da de mandioca foram perdidos, no ano passado, nos sertões e agrestes, devido à estiagem prolongada.
Não foi tudo: os rebanhos bovino, caprino e ovino diminuíram 9%, 8% e 6%, nesta ordem. A produção de leite caiu 17%. (Todas as comparações são entre o valor medido em 2012 e a média dos valores da mesma variável nos três anos anteriores.) Mais uma vez, a seca devasta a pequena produção agrícola não irrigada e a pecuária nos sertões e agrestes nordestinos. Devasta, sim, pois ainda não acabou.
Somente agora, com a divulgação pelo IBGE, (em 25/10/13), dos resultados da “Produção Agrícola Municipal” e da “Pesquisa Pecuária Municipal” relativas a 2012, foi possível fazer esses cálculos. Mas, como a estiagem se prolongou por 2013, e ainda não se sabe se não continuará no próximo ano, os números relatados são apenas uma parte dos prejuízos que a seca tem trazido. Praticamente, todas essas perdas – que abalam a vida de uma parcela grande da população sertaneja – são absorvidas pelos próprios agricultores e pecuaristas pobres e por suas famílias. O governo socorre com um caminhão-pipa aqui, uma bolsa estiagem ali, uma bolsa família em todos os lugares. Mas isso é um pequeno alívio, insuficiente, vexaminoso. Enquanto isso, a tragédia segue seu curso, matando o que ainda encontra pela frente.
CASOS CRÍTICOS
Houve, por trás das médias, casos, especialmente, dramáticos. A produção de feijão foi reduzida a zero em 326 municípios que, normalmente, são produtores do grão. Em 422 municípios que, em anos de chuvas, produzem milho, não se colheu sequer uma espiga. O mesmo aconteceu – ou seja, produção nenhuma, nada, zero – em 162 municípios que, normalmente, produzem mandioca.
Mais casos críticos.
Os agricultores de Senador Elói, Rio Grande do Norte, produziram 224 toneladas de feijão, em 2011, e apenas uma tonelada, em 2012. Em Ibiara, Paraíba, as perdas foram ainda maiores: as 283 toneladas de feijão produzidas em 2011 se transformaram em apenas uma, em 2012. Em Mata Grande, Alagoas, a produção de feijão havia sido de 649 t, em 2011; reduziu-se a 4 t, no ano seguinte. Condeúba, Bahia, produziu 1.680 t de feijão, em 2011; não mais do que 7 t, em 2012. Monsenhor Tabosa, Ceará, viu sua produção de 2.792 t, em 2011, se reduzir a 12 t, em 2012.
Na cultura da mandioca, houve muitas situações do mesmo tipo. Belém do São Francisco produziu 360 t, em 2011; uma tonelada, em 2012. Cipó, Bahia: 1.080 t, no ano de boas chuvas (2011); 20 t, no ano de seca. Em Bento Fernandes, Rio Grande do Norte, a produção despencou de 5.880 t para 50 t. Em Ielmo Marinho, também no Rio Grande do Norte, as 6.000 t de 2011 viraram 200 t de 2012.
Quanto ao milho, os agricultores de Pesqueira (PE) haviam produzido 1.500 t, em 2011; produziram apenas uma tonelada, em 2012. Ibicuitinga, Ceará, viu sua produção desaparecer: 2.736 t para 6 t. Os agricultores de Monsenhor Tabosa (CE) viveram a mesma tragédia: o município que produzira 8.831 t de milho, em 2011, colheu meras 21 t, um ano depois.
Na produção de leite, embora esta não tenha sido reduzida a zero em nenhum município, alguns casos individuais merecem registro. Entre muitos outros, os de Gurjão e São Domingos, na Paraíba, e Itaíba, em Pernambuco. Gurjão, pequeno produtor, havia produzido 1.300 litros de leite em 2011. Em 2012, sua produção foi um quarto disso: 265 litros. São Domingos esteve no mesmo caso: 1.375 litros, em 2011; 378 litros, um ano depois. Em Itaíba, município maior produtor do Semiárido (tanto em 2011 quanto, apesar do desastre, também em 2012) a produção caiu de 102.283 litros para 59.625 litros.
VACAS POLÍTICAS
A variação dos rebanhos também foi, em muitos casos, dramática. Em Pacoti, Ceará, havia 3.564 cabeças de boi, em 2011; apenas 836, em 2012; em Betânia, Pernambuco, 10.000 bois e vacas, no ano de 2011, deram lugar a apenas 5.309, em 2012. Em Vertente do Lério, Pernambuco, o rebanho caprino era de 1.500 cabeças, em 2011; passou a 461, no primeiro ano da seca. No mesmo município, havia 1.700 carneiros e ovelhas, em 2011; um ano depois, os pesquisadores do IBGE só encontraram 280. Uma parte desses animais foi vendida a preços vis, ou sacrificada fora de hora. Outra parte, talvez, maior, morreu de fome e sede.
A dizimação dos rebanhos provocou perdas de capital que os pequenos pecuaristas levarão anos para recompor, se é que conseguirão. Aqui, também, faltou governo. O gado morreu em pé, devagar, uma vaca por vez. E não apareceu ninguém que evitasse isso. Impossível, não era. Para usar um jargão que a turma hoje instalada em Brasília tanto gostava de usar contra seus adversários: faltou “vontade política”.
E a seca, repita-se, ainda não acabou.
Semiárido nordestino, 2009-12
Efeitos da seca de 2012 sobre a produção de feijão, mandioca, leite e sobre os efetivos de rebanhos bovino, caprino e ovino
Item
 Unidade de medida
Média 2009-11
2012
Quebra % em relação à média 2009-11
Observações
Feijão
Quantidade produzida em t
591.914
120.567
79,6
326 municípios normalmente produtores tiveram produção zero em 2012
Milho
Quantidade produzida em t
2.234.946
758.459
66,1
422 municípios normalmente produtores tiveram produção zero em 2012
Mandioca
Quantidade produzida em t
3.693.299
2.222.645
39,8
162 municípios normalmente produtores tiveram produção zero em 2012
Efetivo do rebanho bovino
Cabeças
15.080.612
13.725.009
9,0
Rebanho não zerou em nenhum município onde havia algum estoque nos anos anteriores à seca
Efetivo do rebanho caprino
Cabeças
7.197.589
6.648.094
7,6
Rebanho não zerou em nenhum município onde havia algum estoque nos anos anteriores à seca
Efetivo do rebanho ovino
Cabeças
8.618.095
8.119.970
5,8
Rebanho não zerou em nenhum município onde havia algum estoque nos anos anteriores à seca
Leite
Mil litros
15.080.612
13.725.009
17,3
Produção não zerou em nenhum município, mas houve casos de perdas acima de 75%
Fonte: IBGE, Produção Agrícola Municipal e IBGE, Pesquisa Pecuária Municipal

Gustavo Maia Gomes

(6 nov 2013)

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