segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

A medida do gosto: Belém, Recife, Brasil

Gustavo Maia Gomes

Em proporção à sua renda, os paraenses da capital consomem quase duas vezes mais arroz (0,95%) do que os pernambucanos do Recife (0,55%) e também mais do que os brasileiros que habitam as grandes cidades do país (0,74%). Em quantidades relevantes, o caldo do tucupi (0,02%) só é consumido em Belém, dentre os lugares mensalmente pesquisados para a elaboração do IPCA – Índice de Preços ao Consumidor Amplo.

Esse índice do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mede os valores de cestas de consumo representativas para famílias com renda de 1 a 40 salários mínimos nas regiões metropolitanas de Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Vitória, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, além do Distrito Federal e os municípios de Goiânia, Campo Grande, Rio Branco, São Luís e Aracaju. A comparação entre os valores obtidos para dois meses sucessivos permite calcular a taxa de inflação no período em causa.

As cidades pesquisadas têm suas próprias cestas de consumo, cada uma composta de mais de 400 itens. Estudando os pesos com que esses itens entram no cálculo do IPCA nas diversas regiões, podemos visualizar as distintas preferências com respeito às despesas de alimentação, saúde, educação, cuidados pessoais e até hábitos de lazer. Neste texto, lidarei apenas com o Brasil, Belém e o Recife, por razões que deixo claras em sua conclusão. Fiz um sumário do que descobri. Alguns dados podem parecer apenas curiosos, mas a soma de todas as curiosidades poderia gerar uma tese de doutorado.

Os gastos com alimentação e bebidas pesam mais em Belém (26,90%) do que no Recife (23,18%) e no Brasil (20,70%). Feijão mulatinho é proporcionalmente à renda consumido no Recife (0,14%) muito mais do que no Brasil (0,02%); não é consumido em Belém. Já o feijão preto, consumido em Belém (0,14%) duas vezes mais intensamente do que no Brasil (0,07%); não entra nas panelas recifenses, exceto em quantidades muito pequenas. Com farinha de mandioca, os brasileiros gastam 0,10% de sua renda; os belenenses, sete vezes mais: 0,73%; no Recife, o valor correspondente é de 0,16%.

Na capital pernambucana, a cebola absorve 0,18% da renda de quem ganha até 40 salários mínimos. Mais do que no Brasil (0,12%) ou em Belém (0,09%). O coentro tem valoração no Recife (0,09%) nove vez maior do que no Brasil (0,01%). Não aparece em quantidade significativa em Belém. Em açúcares e derivados, os belenenses são campeões (0,70%). Estão acima da média brasileira (0,65%) e também da recifense (0,52%). Parece que essa diferença reflete a atração pelos doces: enquanto o consumo de açúcar cristal tem a mesma percentagem nas duas capitais (0,25%), o de açúcar refinado é muito maior em Belém (0,16%) do que no Recife (0,04%) ou no Brasil (0,09%).

As carnes consomem 4,96% das rendas em Belém, valor muito superior ao registrado no Recife (2,38%) ou no Brasil (2,79%). De frutas, entretanto, o consumo no Recife (1,07%) tem maior peso do que no Brasil (0,95%) ou em Belém (0,78%). Em pescados, como seria de esperar, os belenenses ganham a parada (1,09%). (Brasil, 0,22%; Recife, 0,32%.) Os paraenses são fãs de uma costela, o tipo de carne com maior peso no seu orçamento (0,75%). Logo depois vem a alcatra (0,74%). No Recife, o maior consumo, em valor relativo à renda local, é o da chã de dentro (0,53%).

Os caranguejos são grandemente apreciados na capital do Pará (0,07%). No Brasil e no Recife seu consumo entra com peso zero no IPCA. O gosto pelo café moído tem intensidade homogênea pelo país: Brasil, 0,29%; Belém, 0,28%; Recife, 0,26%. Já os gastos com alimentação fora do domicílio são surpreendentemente maiores no Recife (6,47% da renda) do que no Brasil (5,93%) e em Belém (5,46%)

Nas preferências por artigos de limpeza, não encontrei grande variância: Brasil (0,75%), Belém (0,76%), Recife (0,81%). Os belenenses, entretanto, parecem ter especial afeição pela água sanitária: Brasil (0,06%), Belém (0,09%), embora menos que os recifenses (0,11%). Os moradores da capital pernambucana gastam mais que os paraenses em detergentes e sabão em pó, mas empatam em sabão em barra (0,9%) e perdem por pouco em desinfetantes (0,08%) contra (0,09%).

Manter boa aparência parece ser um capricho dos habitantes de Belém, que gastam em cuidados pessoais 6,43% de sua renda. (Brasil, 3,96%; Recife, 5,18%). Entram nesta categoria produtos para cabelo, barba, pele e higiene bucal. Na compra de roupas, o mesmo padrão se repete: Belém, 4,31%; Recife, 3,74%; Brasil, 2,98%. Idem para perfume: Belém, 2,56%; Recife, 1,87%; Brasil, 1,07%. E para desodorante: Belém, 0,66%; Recife, 0,54%; Brasil, 0,45%. (Precisa ver o povinho cheiroso se amontoando no Círio de Nazaré.) Como se deveria esperar, em artigos de maquiagem, os belenenses também lideram, com 0,37% (Brasil, 0,17%; Recife, 0,21%.) Não sei se devo dizer isso, mas, os gastos com papel higiênico seguem uma ordem inversa: Brasil, 0,21%; Recife, 0,15%; Belém, 0,14%.

Com planos de saúde (Brasil, 4,03%; Belém, 1,74%; Recife, 4,23%) e com educação paga (Brasil, 6,06%; Belém, 3,45%, Recife, 6,07%), os recifenses estão acima das médias brasileiras; os belenenses, muito abaixo. Em compensação, em jogos de azar, eu deixo os números falarem sozinhos: Brasil, 0,52%; Belém, 0,76%; Recife, 0,59%.

É espantoso como esses números confirmam praticamente todas as generalizações que minha mulher belenense Lourdes Barbosa sempre me fez (baseadas em observações inteligentes, sim, mas não em pesquisa empírica rigorosamente conduzida) sobre as diferenças entre as culturas do Pará e, em especial, de Pernambuco. A oca – ou seja, a habitação coletiva dos índios – explica quase tudo, vive ela a me dizer. Parece ter acertado na mosca.

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