quarta-feira, 30 de março de 2016

Um mistério familiar do século XIX

Gustavo Maia Gomes


















Na origem, o ramo dos Araújo Pedrosa a que me filio era muito pobre. Disso fiquei sabendo por um discurso do padre Francisco Raimundo da Cunha Pedrosa (1847-1936) na festa de formatura em Direito do seu parente e protegido Manoel Sebastião de Araújo Pedrosa (1853-1906), meu bisavô. Disse ele: “Abandonado da fortuna e desprezado daqueles que lhe eram mais próximos por consanguinidade, ele vivia desde a infância como um pobre órfão em companhia de sua carinhosa mãe, cujos recursos apenas iam dando para a sua parca subsistência”. (Diário de Pernambuco, 13/11/1883, pág. 3)

O padre (depois monsenhor) Pedrosa não dá o nome da pobre mulher. Descobri, por notícias e anúncios fúnebres, que era Maria Madalena da Silva, ou Maria Madalena da Silva Pedrosa, ou, ainda, Maria Madalena de Araújo Pedrosa. Nada sei sobre seu marido, se marido foi, pai de Manoel Sebastião. Não só eu. Olga Dias Cardoso (1895-1978), minha avó, casada com o segundo Manoel Sebastião (1889-1936), tampouco, sabia. Nas palavras de Heloisa de Araújo Pedrosa (baseada nas informações da mãe, Olga): “Quanto ao vovô Pedrosa, não sei quem foram seus pais. Presumo que morreram cedo”.

Eu consegui saber um pouco mais. O pai, sim, morreu cedo (ou então “órfão” no discurso do padre foi um eufemismo para “abandonado”); a mãe viveu 88 anos. A ignorância de Olga não era fortuita: percebi que existe um grande mistério cercando a relação de Maria Madalena com o inominado pai de Manoel Sebastião de Araújo Pedrosa. Nem Monsenhor Pedrosa, escritor prolixo; nem seu irmão, Pedro da Cunha Pedrosa, senador pela Paraíba, que deixou um livro de memórias, jamais esclarecem qual era a relação de parentesco que os unia a Manoel Sebastião. E note-se que ambos foram bastante próximos de meu bisavô.

Como o silêncio é suspeito, fica a hipótese de que Manoel Sebastião de Araújo Pedrosa era bastardo, apenas parcialmente reconhecido pelo pai. Este poderia ser padre, algo não incomum, à época. É pura especulação, reconheço. Padres passavam seu sobrenome para os filhos? Em alguns casos, sim. No Sertão, para tomar um exemplo bem conhecido, o coronel Veremundo Soares (1879-1973), chefe político em Salgueiro (PE), era filho declarado do padre Joaquim Soares, que formou patrimônio razoável e o deixou em herança para os quatro filhos.

Em todo caso, se os recursos de Maria Madalena da Silva “apenas iam dando para a sua parca subsistência”, seu filho, com a ajuda inicial do padre Pedrosa, conseguiu construir para si e os descendentes uma posição bem mais confortável na sociedade de seu tempo. Ainda mais realizou o segundo Manoel Sebastião, que morreu integrando o estrato mais alto da classe rica do Nordeste canavieiro, dono que foi de uma grande usina de açúcar em Alagoas.

Se os Cunha Pedrosa (como mostro em outro texto) foram aristocratas descidos à pobreza, os Araújo Pedrosa chegaram a ser pobres alçados à aristocracia. A trajetória ascendente, entretanto, iria ser interrompida pela morte inesperada do segundo Manoel Sebastião.

Nenhum comentário:

Postar um comentário