quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Porto de que galinhas?


Gustavo Maia Gomes

Porto de Galinhas, grande atração turística pernambucana, é um garajau de paradoxos.
Primeiro: Pegado à praia mais bonita do Brasil, o vilarejo fede, graças a um cocódromo que lhe serpenteia as ruas. Emitido por obra pública, o mau cheiro tem nome, endereço e filiação partidária.
Segundo: Repleto de simpáticas lojinhas, o centro comercial mistura transeuntes sobressaltados e carros ameaçadores, como se atropelamentos fossem atração turística.
Terceiro: Ambiente com enorme fluxo de pessoas, abriga pizzarias de grande movimento onde não se pode fazer xixi. Nem nelas, nem nas imediações: mangi qua, mije lá.
Quarto: Centro de eventos internacionais, no local a internet não pega, o celular não fala e as operadoras só escrevem (mensagens de autopropaganda).
Quinto: Território de um dos municípios com maior receita per capita de impostos do país, tem ruas sujas e calçadas intransitáveis. Ali, ninguém jamais viu uma árvore ser plantada.
Sexto: Lugar de idas e vindas, suas estradas de acesso são periodicamente interditadas por longas horas, em protestos disso ou daquilo, enquanto a polícia negocia, negocia, negocia...
Assim, Porto de Galinhas vai acabar. Deixará de ser a melhor praia do Brasil; muito poucos irão comprar em suas lojas; hoteis luxuosos se tornarão pardieiros; eventos internacionais serão coisa do passado; quem usa a internet procurará outros destinos; o vilarejo submergirá em lixo; manifestantes bloquearão estradas por onde não trafegará um só automóvel.
***
Não que o fim seja inevitável. Seis intervenções urbanas simples e baratas – de responsabilidade do poder público – corrigiriam os problemas, dando nova vida ao lugar. Para começar, bastaria isso: o restante ou a natureza já fez, ou a iniciativa privada faria.
Primeira: o cocódromo teria de ser imediatamente substituído por esgotos decentes, que guardem o fedor para si mesmos, sem partilhá-lo com o público passante.
Segunda: os automóveis deveriam ser separados dos pedestres, abrindo estacionamentos pagos na periferia, proibindo a circulação de veículos no centro e tornando disponíveis carros coletivos, tipo jardineiras, com faixas exclusivas.
Terceira: a Anvisa precisaria ser anvisada de que restaurantes sem banheiro podem funcionar na pequepê, não em Porto de Galinhas.
Quarta: punições severas seriam aplicadas às operadoras de celulares mudos e internets invisíveis. Claro (Tim, Oi, Vivo...), o problema não é só de Porto, nem de perto; é do país.
Quinta: prefeito e donos de casas seriam obrigados a limpar as ruas, pavimentar as calçadas e plantar árvores, sob penas de cassação ou multas.
Sexta: a polícia garantiria que o direito de ir e vir fosse respeitado. Ponto final. Isso está na Constituição; vale tanto para Porto de Galinhas quanto para portas de galinheiros.
Imagine agora um lugar assim tão belo com livre circulação nas estradas; adequado acesso à internet, celulares falantes; um centro comercial cheirando bem, sem automóveis, pleno de transporte público segregado dos pedestres; ruas limpas e muito arborizadas; calçadas transitáveis e praias espetaculares. Morrer, coisa nenhuma; voltaria a ser um paraíso, capaz de atrair mais e mais visitantes.
Do jeito que está, se aquilo é um porto, nós somos as galinhas.

(Artigo publicado em 19/01/2012 no Jornal do Commercio do Recife, pág. 12, com o título "Porto de paradoxos")



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