terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Luíza e outras celebridades sem causa

Antes que o leitor descubra, digo eu: há muita inveja mal disfarçada neste texto. Ele trata das celebridades instantâneas, uma espécie de gente subitamente alçada à fama, mas que, em geral, não sabe fazer nada: a gostosinha foderosa do Big Brother, o futebolista incompetente convocado para a seleção, a Luíza citada no comercial televisivo. (Ela está cobrando quinze mil reais para aparecer em festas de grã-finos. Que raiva.)
Compreender fenômenos como esses só será possível depois de criarmos um novo ramo de conhecimento, a economia da notoriedade sem causa. Ou, quem sabe, ele já existe. Se não existe, os fatos e comentários alinhados abaixo poderiam servir como pontos de partida desta inusitada ciência. Tenho a esperança de que eles me façam ficar famoso, não apenas instantaneamente, mas para sempre.
DUAS CONSIDERAÇÕES
Primeira, uma reflexão sobre a velocidade e a extensão com que essas coisas ocorrem. Na escala hoje conhecida, celebridades instantâneas seriam impossíveis se não fosse a enorme redução que já houve e continua a haver dos custos de difundir e consumir informação. Luíza deve seu estrelato aos feicebuques e tuíteres, cujo acesso se tornou quase gratuito. O centroavante perna-de-pau dá entrevistas diárias porque o minuto de rádio é ridiculamente barato, seja para os que falam, seja para os que escutam. Sem a televisão, a gostosinha do Big Brother seria apenas uma inútil a mais; com a TV vendida em 290 prestações, os idiotas que a veêm diariamente (ou melhor, noturnamente) contam-se aos milhões.
Segunda, uma hipótese sobre o “conteúdo” das celebridades instantâneas. Aqui, quase tudo pode acontecer, desde o reconhecimento do heroísmo (o bombeiro flagrado ao resgatar vítima de um desses prédios que vivem caindo no Rio de Janeiro) até a ausência total de conteúdo (o exemplo emblemático é o de Luíza que nunca fez e, se depender dos que exploram sua momentânea fama, nunca fará nada relevante). Sem esquecer aquela inglesinha recém-promovida a princesa, elevada à condição de celebridade por ter-se casado com um parasita hereditário.
ORDEM NO CAOS
Mas, mesmo nessa aparente anarquia do “conteúdo” das celebridades, alguma ordem pode ser detectada. A chave parece ser que, em essência, a notoriedade instantânea não depende do que a pessoa é, nem de se ela sabe fazer alguma coisa socialmente útil; depende, sim, de se o público -- a massa da população, não um subgrupo reduzido dela -- identifica ou não no candidato a famoso e nas suas circunstâncias alguma coisa merecedora de atenção.
Imaginem, agora, duas situações polares: (a) João das Botas é flagrado mantendo relações sexuais com uma jumenta; (b) Andrew Wiles acaba de demonstrar o último teorema de Fermat. A pergunta é quem, mais provavelmente, se tornaria instantaneamente famoso: João das Botas ou Andrew Wiles?
Formular a pergunta já equivale a respondê-la. O importante, entretanto, é retirar as lições que o exercício pode conter. Por exemplo: ter relações com animais é comum no Interior; qualquer homem com suficiente coragem (a probabilidade de ser atingido por um coice da jumenta é enorme) poderia fazer o que João das Botas fez. A notoriedade deste senhor, portanto, não depende dele próprio, mas da avidez do público por episódios deste tipo. Já o feito de Andrew Wiles somente foi conseguido depois de 300 anos de tentativas fracassadas por parte dos melhores matemáticos que a humanidade já produziu. Mas a resolução do problema de Fermat desperta o interesse de muito poucas pessoas e, assim, Andrew Wiles nunca será uma celebridade que faça sombra à gostosa do Big Brother. Muito menos a João das Botas.
MEU SONHO
Encerro, como comecei, com uma reflexão pessoal. Virar celebridade sempre foi meu sonho. Inspirado nos aristóteles, voltaires, keynes e churchills -- que tenho por ídolos --, estudei um bocado, tive cargos em governos, escrevi livros, publiquei artigos venenosos em jornais de grande circulação. Debalde. E então vem a Luíza, e compreendo quão errado eu estava.
Seja como for, o fenômeno paraibano me tem ajudado a manter viva a esperança de ficar famoso. Vou ver se dá certo minha mulher, Lourdes, dizer, em horário nobre da TV Globo: “aqui em casa, todos pagamos imposto. Menos Gustavo, que está em cana.”
Dá?

Gustavo Maia Gomes

Este artigo será publicado, simultaneamente, em http://www.blogdatametrica.com.br, http://www.econometrix.com.br e http://www.gustavomaiagomes.blogspot.com (31/01/2012)


8 comentários:

  1. Sinceramente, esse tipo de texto não produz nada, não modifica nada, não contribui em nada. Vivemos num país em que a imensa maioria da população passa menos do que oito anos na escola. Não sabem quem é Fermat, Lavoisier, Pascal, Newton ou Eisntein. Não está ao seu alcance, portanto, não provoca interesse. Dessa forma, me surpreende que esses fenômenos causem surpresa em alguém, ainda mais num Ph. D em Economia. Não nos resta outra coisa além de continuar trabalhando e pensando maneiras de educar a população e construir um país de mais oportunidades. Estes textos, pra mim, são uma perda de tempo tão grande quanto uma sessão de Big Brother.

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  2. Caro Luiz Felipe: respeito sua opinião; obrigado pelo comentário. O senhor diz: uma população com menos de oito anos de escola não sabe quem é Fermat; portanto, meu artigo é "perda de tempo". Seguindo este raciocínio, posso concluir que o senhor tem menos de oito anos de escola? Se a resposta for sim, sua opinião está explicada. Assim como a minha, pois é claro que não escrevo para este público. Mas, também sou a favor de que ele ganhe muitos mais anos de escola.

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    1. Talvez eu não tenha sido suficientemente claro no meu comentário. Não acho que seu artigo seja uma perda de tempo por ter sido escrito para uma minoria. Acho que ele é uma perda de tempo porque não contribui em nada para modificar uma situação. Ele não propõe nada, não faz um paralelo com sociedades mais organizadas e intelectualmente desenvolvidas, não estabelece correlação entre e a "avidez do público por episódios deste tipo" e, por exemplo, o grau de educação deste mesmo público, que me parece ser uma área de estudo interessante para um economista. Reclamar, esbravejar e irritar-se com uma situação sem propor algo para alterá-la ou ao menos discuti-la, é que é, pra mim, a grande inutilidade. A não ser que o senhor queira usar o blog como espaço para desabafos pessoais. Aí sim eu entenderia e, obviamente, é um direito que o senhor tem. Quanto a minha escolaridade, passei um pouco mais que oito anos na escola. Sou engenheiro e estou concluindo minha pós-graduação. Pretendo continuar estudando.

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    2. Sr. Luiz Felipe: Seus comentários têm causado remorsos em pessoas as mais insuspeitas. Elas me mandam e-mails aflitos. Einstein. por exemplo: “perrgunta Herr Luiz se teorria relatividade também é perrda de tempo porque não contribui para modificarr situação”. Machado de Assis: “Carolina morreu e eu escrevi um soneto. Ele não propõe nada, não faz um paralelo com sociedades mais organizadas e intelectualmente desenvolvidas. Como pude ser tão casmurro?”. Pelé: “fiz 1200 gols, mas em nenhum deles estabeleci correlação entre e a avidez do público por episódios deste tipo e o grau de educação deste mesmo público. O que o engenheiro pensará de mim?”. Karl Marx: “de reclamar, esbravejar e irritar-se com uma situação eu entendo, mas meu livro não propõe nada para alterá-la, só fica dizendo que o capitalista vai se estrepar. Depois de ler o Sr. Luiz, descobri que O Capital é uma grande inutilidade”.

      Fiquem frios, Albert, Joaquim, Edson, Karl. Não é nada disso. O problema é que o senhor Luiz quer usar o meu blog como espaço para os seus desabafos pessoais.

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    3. Este comentário foi removido pelo autor.

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    4. Fantástico! O senhor psicografa! Por que não não publica aqui os emails destes gênios então, seria muito interessante!

      A diferença entre seu texto e todos estes exemplos, é que a teoria da relatividade revolucionou a ciência e a eletrônica, a qual nos permite manter esse diálogo agora quase que instantaneamente. A obra de Machado se Assis é uma grande opção de lazer, nos invoca emoções e nos faz sentir vivos. Pelé fez coisas que qualquer amante do futebol sonharia em fazer. Marx propôs uma via. Todos nos fizeram algum bem. Qual o bem que o senhor nos traz?

      Mas acho que o senhor tem razão, estou cometendo o mesmo erro que o blogueiro. Geralmente ignoro esses textos ranzinzas e inúteis. Desta vez cometi o erro de dar atenção.

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  3. Excelente e bem humorada reflexão Gustavo. Com um cumprimento, em particular, pela brilhante resposta ao comentário do Sr. Luiz.

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  4. Dirijo este comentário aos meus leitores.

    A polêmica com o engenheiro está encerrada. Aprecio receber críticas, quando elas questionam um argumento e, portanto, me dão oportunidade de melhorá-lo ou abandoná-lo. Mas esse senhor não contesta ideias; ele quer revogar meu direito de tê-las. Mao fez isso na China; Stálin, na Rússia; Hitler, na Alemanha.

    Na minha segunda réplica, tentei mostrar que, se o mundo fosse obrigado a obedecer ao engenheiro, não apenas meu blog, mas toda a cultura ocidental teria de ser apagada. Sobrariam, apenas, livros de auto-ajuda. São umas porcarias, mas transformam o mundo.

    Gustavo Maia Gomes

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