segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Onde fica o Recife?


Gustavo Maia Gomes
Dentro de alguns anos, quando um turista perguntar “onde fica o Recife?”, ouvirá como resposta “ao lado do chópin”. Estou pensando no principal desses monstrengos urbanos, já quase tão grande quanto a cidade que o cerca. O maior do Nordeste, do Brasil, do mundo – incluindo a Guatemala. Tem uma doença: gigantismus pathologicum; e um sintoma: não para de crescer.
Nas proximidades, em terrenos que ainda não são chópins, outro deles está sendo erguido. Enormemente enorme. Na sua terceira expansão, que coincidirá com a décima-nona do rival mais antigo, os dois se encontrarão e a cidade terá desaparecido. No futuro, os paraenses visitarão o local para desfrutar de um grande território. “Como era bom”, dirão eles, saudosos.
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O que há de errado com esta cidade? A simples inspeção visual sugere que, por metro quadrado, o Recife tem mais desses centros de compras do que qualquer outro lugar. A gente acha isso bom. Trafegar por ali tardes e noites chupando um sorvete de matéria plástica é o programa da moda – e não apenas dos adolescentes. Comprar nas suas lojas é a obrigação diária das dondocas classe média às assalariadas emergentes. E de seus maridos, filhos, netos, enteados, penteados, quase todos. E tome mais chópins sendo construídos e mais expansões sendo feitas nos que construídos estão.
De onde saem os estímulos econômicos para esta febre que destrói o comércio tradicional do centro e dos bairros, transformando o Recife numa cópia infeliz das cidades americanas mais desprovidas de poesia? Sim, porque estímulos econômicos, certamente, abundam: com uma exceção, motivada por circunstâncias particulares, que não vem ao caso citar, não existe aqui um chópin que dê prejuízo.
Eles são um bom negócio, em perpétua expansão, por duas razões. A primeira é nosso irrefreável desejo de copiar os Estados Unidos, consumindo os produtos da sua subcultura. Os norte-americanos ganham dez prêmios Nobel a cada ano, enquanto nós nunca tivemos nenhum. Nisso não os imitamos. Sua capacidade de criar fantásticas tecnologias que melhoram nossa vida é sem igual. Pouco nos interessa. Mas em formar multidões de viajantes para Miami-Orlando e ali apertar a mão do rato, ninguém nos vence. Em trazer para cá aquela comida horrorosa – Mac Donald’s, Burger Kings, Pizza Huts – somos imbatíveis. E em construir cinco mil chópins, todos iguais, nem se fala.
A segunda razão remete ao descaso do poder público com os locais onde não estão os chópins, como os centros das cidades e as zonas comerciais dos bairros. Basta a prefeitura não mandar recolher o lixo, o governo estadual relaxar com o policiamento, a companhia de águas deixar os esgotos entupidos, que as pessoas, se puderem (e quase todas podem), se afastarão desses locais, obrigando as lojas a fecharem suas portas ali. E que outra coisa governos e prefeituras (não apenas no Recife) têm feito?
Portanto, haja chópins ou, como os entendidos preferem escrever, shopping-centers. Onde iremos parar? Talvez no ponto em que começamos.
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Dentro de alguns anos, quando um turista perguntar “onde fica o Recife?”, ouvirá como resposta “ao lado do chópin”. Estou pensando no principal desses monstrengos, já quase tão grande quanto a cidade que o cerca. O maior do Nordeste, do Brasil, do mundo – incluindo a Guatemala. Tem uma doença: gigantismus pathologicum; e um sintoma: não para de crescer.
Melhor seria que as pessoas fossem uma vez por ano ver o Mickey Mouse e o deixassem lá. Mas elas acham isso pouco; dão um jeito de trazer o rato para cá. Com suas comidas, sua estupidez cultural, seus intoleráveis shopping centers.


Este artigo será publicado, simultaneamente, em http://www.blogdatametrica.com.br, http://www.econometrix.com.br e http://www.gustavomaiagomes.blogspot.com (5 dez 2011)

2 comentários:

  1. Contrapondo as análises feitas, arrisco perguntar: com o custo do metro quadrado na estratosfera, dificultando encontrar diversidade de lojas num mesmo local; com um povo que não respeita e suja a via pública, além de serviços público deficitários; com um altíssimo índice de roubos e assaltos na Veneza Brasileira; com a temperatura recifense próxima às de uma fornalha de aço, ainda não é melhor fazer compras nesses "intoleráveis" shopping centers? --> o povo suja pouco; estacionamento pago, mas com seguro e na sombra; baixo risco de ser assaltado; e clima refrigerado e ameno.
    Tá difícil escolher...

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  2. Boas colocações, Mário César, como sempre. Não nego que haja conveniência em comprar em shoppings. (Afinal, qual é a essência da cultura americana, senão praticidade?) Mas acho, também, que: 1) a fixação nesses monstrengos (pois monstrengos são; exemplo máximo é o Shopping Recife) é lamentável; 2) o povo poderia ser ensinado e policiado a não sujar as ruas (pergunta se os americanos sujam as deles; por que não os imitamos nisso?) 3) serviços públicos deficitários deveriam levar à demissão do prefeito, não à construção de shoppings; 4) idem para o governador, em relação aos assaltos. E por aí vai. No fundo, você parece que concorda comigo no ponto essencial: a proliferação dos shoppings é mais sintoma de problemas que de soluções.

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