Gustavo Maia Gomes
Grécia atolada em dívidas, o euro
prestes a desmanchar, desemprego crescente, economias declinantes, depredações
em Atenas, pavor de uma crise bancária, repetidos deixa-cum-nói de Merkel e Sarkozy... Nos jornais, 1.234 notícias
sobre a crise; na internet, 4.321 outras. Leio todas. Será que entendi alguma
coisa? Inseguro, divido com o leitor o estado atual de minha ignorância.
RAÍZES
A interpretação mais difundida da crise
é, em linhas gerais, a seguinte: Grécia, Portugal, Espanha e Itália passaram
anos gastando além do que arrecadam. Para fechar as contas, faziam dívidas. Um
hábito antigo, intensificado após 1999, com a criação do euro. Enquanto a
economia crescia, ali e em todo o mundo, foi possível manter o desfile na
Sapucaí: a arrecadação de impostos aumentava; os bancos se sentiam seguros em
emprestar àqueles governos que, reconfortante circunstância, tinham todos uma
mesma e respeitável moeda.
Como o euro era ouro, governos da
periferia europeia conseguiam tomar dinheiro a taxas de juros quase tão baixas
quanto, por exemplo, as pagas pela Alemanha, apesar de a reputação desta na
Serasa e no SPC ser muito melhor que a da Grécia, Portugal, Espanha, Itália...
Isso permitiu aos políticos dos países hoje em crise praticar com o dinheiro
público, mesmo aquele tomado em empréstimo, bondades que lhes rendiam votos. E
assim, recebendo benefícios cujo pagamento era adiado para um indeterminado
futuro, viveram felizes aqueles povos.
Mas o mundo gira e a Lusitana roda. Em
2009, veio a crise das hipotecas, originária dos Estados Unidos. O
“indeterminado futuro” havia chegado. Por toda parte, o crescimento econômico desapareceu.
Consequentemente, as receitas de impostos caíram, porém não as despesas
públicas, de modo que governos com déficit orçamentário passaram a depender ainda
mais de empréstimos. Percebendo o risco de não ter seu dinheiro de volta e a
oportunidade de aprofundar a facada, os bancos, com a habitual miopia, exigiram
juros maiores para renovar os papagaios e fornecer novos financiamentos. O que,
claro, só fez piorar as coisas.
Em prazo maior ou menor – para a
Grécia, já em outubro de 2009 – ficou claro que, se contassem apenas com seus
meios próprios, aqueles países não poderiam continuar honrando os compromissos
assumidos. Foi quando a crise deixou de ser apenas grega para se tornar europeia
e, talvez, mundial.
CONTÁGIO
Não é por altruísmo ou solidariedade
internacional que a dupla Merkozy anda tão preocupada com o pequeno país cuja
economia responde, apenas, por 2,6% do Produto Interno Bruto da União Europeia.
(Os jornais e televisões definem PIB como “a soma de todas as riquezas
produzidas num país”. Não é 100% correto, mas dá para o gasto.) Uma eventual
falência grega se propagaria rapidamente por todo o continente – e para a
América, também. Sobretudo porque, parodiando o que se dizia do Brasil, na
década de 1980, a Grécia deve a apenas duas pessoas: Zeus e o mundo.
Deve, especialmente, a instituições
financeiras francesas, alemãs, americanas, portuguesas, espanholas. Muitas delas
não suportariam um calote, sem ir, elas próprias, também à falência. Os donos
do dinheiro sabem disso e já estão abandonando os bancos mais expostos. No
momento em que as esperanças de socorro monetário vindo da Alemanha, França,
FMI, Estados Unidos, China e de quem mais quiser colaborar; (“Ei, você aí, me
dá um dinheiro aí”) se extinguirem, uma corrida – ou seja, o comparecimento em
massa dos depositantes e aplicadores aos bancos, tentando retirar o seu – se
tornará incontrolável.
Com os bancos derrubados e o dinheiro
saindo do país a galope, boa parte da economia grega deixaria de funcionar. As
repercussões, em rápida sucessão, seriam fechamentos de fábricas, desemprego,
depredações e pânico financeiro se alastrando para outros países igualmente
fragilizados os quais, subsequentemente, também entrariam em colapso. Na
esteira de tudo isso, a Europa, com certeza; e o mundo, provavelmente, cairíam em
depressão econômica, estágio superior da desgraça. O euro, que já foi ouro,
viraria besouro. Daí a preocupação de Merkel e Sarkozy.
QUEDA E COICE
Essa interpretação do endividamento
excessivo e suas conseqüências prováveis tem sido irrestritamente acolhida
pelos governos e instituições financeiras que dominam a Europa, razão
suficiente para ela ser considerada suspeita. Na essência, entretanto, a
explicação não agride os fatos, parece verdadeira. Mas tem um filho bastardo, a
visão aritmética de como funciona a economia.
Com base nela, os alemães estão dizendo
para os gregos: vocês ficaram insolventes porque seu governo gastou mais do que
podia. Nós vamos lhes tirar do sufoco, para evitar que morram (“e nos levem
junto”, frase omitida do discurso), mas também iremos cobrar que se emendem,
elevando impostos e cortando despesas. Adeus, boa vida; adeus, salários pagos
em dia, previdência social funcionando, aposentadorias garantidas. Tão achando
ruim? Vão para a Etiópia.
É o fim da picada. Exigir que os países
endividados reduzam seus gastos no meio de uma situação como a que eles, atualmente,
vivem vai aprofundar a recessão, aumentar o desemprego, baixar as rendas, diminuir
ainda mais as receitas tributárias. Piorar a crise, enfim, especialmente, na
própria Grécia. Se fosse possível resolver os problemas desta forma, seria
injusto. Em não o sendo, trata-se de uma estupidez.
Para os descendentes de Sócrates,
Platão e Aristóteles, vai ser como juntar um coice à queda.
Este
artigo será publicado, simultaneamente, em http://www.blogdatametrica.com.br, http://www.econometrix.com.br e http://www.gustavomaiagomes.blogspot.com (22/02/2012)
um artigo bastante esclarecedor e com linguagem lúdica interativa e informações densas em formato de hipertexto. uma aula de historia e economia.
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