terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Facebook com mandioca


Gustavo Maia Gomes
Duas notícias se destacaram, na semana passada. Aparentemente desconectadas, após análise mais profunda fica claro que elas não têm mesmo nenhuma relação entre si.
1. O Facebook encaminhou à agência americana que fiscaliza as bolsas de valores pedido de lançamento público inicial de ações (IPO, na sigla em inglês). O Brasil, onde o serviço tem crescido vertiginosamente, é citado oito vezes na documentação que instrui o processo.
2. Elizabeth II completou 60 anos como rainha da Inglaterra e de outros países subalternos ou acomodados. Até agora, portanto, está sendo parcialmente cumprida a profecia de Farouk, destronado pela revolução egípcia de 1952: “no futuro, só haverá cinco reis: o da Inglaterra e os quatro do baralho”.
FACEBOOK
Os números do Facebook são estratosféricos: a rede já conecta 845 milhões de usuários cadastrados; anuncia IPO em que espera arrecadar cinco bilhões de dólares; e pode estar na iminência de valer 100 bilhões de dólares. É um símbolo da nova economia baseada na informação e comunicação. Paradoxalmente, tem lucro líquido de apenas um bilhão de dólares.
“Apenas um bilhão” porque uma empresa de 100 bilhões deveria ter lucro próximo a dez, não a um bilhão de dólares. É claro que há uma expectativa de maiores lucros no futuro, mas o salto de um para dez é improvável. A melhor explicação para esta valorização excessiva parece ser, outra vez, a lógica das bolhas que, uma vez explodidas, trazem as fantasias de volta à realidade. O mundo já viu isso: de 2001 a 2003, as ações das empresas de tecnologia cotadas na bolsa Nasdaq perderam 80 por cento de seu valor.
Seja como for, pelos seus méritos verdadeiros e também pelos falsos, o Facebook é um símbolo do mundo atual. Assim como Elizabeth II, embora por razões completamente outras.
ELIZABETH
Justiça seja feita, nessas seis décadas, a rainha passou por muitas situações difíceis, das quais sempre se saiu bem. As mais notórias foram provocadas por seu primogênito e presuntivo sucessor. Mas não as mais importantes. O verdadeiro desafio enfrentado e vencido por Elizabeth foi se adaptar com sucesso a um mundo de contínuas e profundas mudanças. Um mundo ameaçador para gente, como ela e sua família, cujo prestígio e riqueza dependem do apego das pessoas comuns a tradições envelhecidas.
Não se trata, apenas, de que, quando Elizabeth começou seu reinado, o mundo tinha dois bilhões e meio de habitantes; enquanto, hoje, tem sete bilhões. Mas, principalmente, de que milhares de coisas inventadas nos últimos 60 anos se tornaram rotineiras, transformando, radicalmente, nossas vidas e tornando exóticas as figuras de monarcas. A rainha assimilou tudo isso com notável habilidade, dissimulando, a cada passo, o anacronismo da monarquia. Afinal, quem precisa de rei quando pode consultar o Google? Ou ser “amigo” (virtual, mas, que importa?) dos famosos?
De qualquer modo, a relação parcial dos processos, objetos e tecnologias hoje importantes, que não existiam em 1952, impressiona. Naquele ano, o mundo não conhecia a ultrassonografia médica (inventada em 1953); o rádio transistor (1954); o disco rígido de computador (1955); o relógio digital; a fibra ótica e o gravador de videocassete (1956); o satélite artificial (1957); o circuito integrado e o satélite de comunicações (1958); o raio laser (1960); o disco de leitura ótica (1961); o mouse de computador (1963); o e-mail, a tela de cristal líquido, o microprocessador, a calculadora de bolso, a imagem de ressonância magnética e o disco flexível (1971); a tomografia computadorizada (1972); os organismos geneticamente modificados e o computador pessoal (1973); a câmera digital (1975); o telefone celular (1977); a internet (1983); o fingerprint do DNA (1985); o processador de luz digital (1987); a World Wide Web (1990); o Sistema Global de Posicionamento (1993), o DVD e o wi-fi (1997); o Viagra (1998); o coração artificial (2001).
Sem contar os I-Pods, I-Phones, I-Pads e outras bugigangas do Steve Jobs. Nem o Facebook (proibido na China), que ajudou a derrubar mais de um ditador árabe.
E A MANDIOCA?
O reconhecimento de tantas inovações não nos deveria fazer esquecer outras verdades. O mundo se transformou, sim, mas não no mesmo ritmo em todos os lugares. Para dar um exemplo próximo: há 400 anos, planta-se mandioca do mesmo jeito, no Semiárido brasileiro. E milho, feijão...
Se, ao invés da Inglaterra, Elizabeth reinasse em algumas partes do nosso Sertão, ia reclamar da mesmice, não da mudança.
 Este artigo será publicado, simultaneamente, em http://www.blogdatametrica.com.br, http://www.econometrix.com.br e http://www.gustavomaiagomes.blogspot.com (07/02/2012)


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