quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

VEADO, PAVÃO, FACADA E MIJO

Gustavo Maia Gomes
Recife, 24-12-2018
Pedi ao taxista que me levasse ao Beco da Facada. Falo isso até mesmo quando nem quero ir lá. É um teste. Poucos passam. O beco, há anos, ganhou uma placa: Rua Guimarães Peixoto. Dia desses, um motorista levou-me sem questionar. Avaliei seus conhecimentos: de que outros becos sabia?
Ele foi dizendo: do Queijo, Estrela, Pavão, Marroquim, Veado Branco. Se bem me lembro, do Alface. Alguns não têm mais esses nomes, que só os nascidos há mais tempo insistem em reter. Por que chamar o Beco do Veado Branco de Travessa de São Pedro? Ou de Rua da Indústria o Beco da Bomba?
Sei lá que outros nomes insignificantes alguém dará, ou já deu, aos becos Passa Quatro, das Miudinhas, do Escuro, do Padre, do Esparadrapo, da Fome, do Relojoeiro, do Marroquim, da Beliscada, do Peixe Frito, da Lingueta, dos Ferreiros, do Supapo, do Ganso. O Beco da Boia virou Travessa do Tuyuty. O do Camarão é a Rua Martins Júnior.
Muito se escreveu sobre os nomes poéticos de ruas recifenses (as que escaparam de virar Eduardo Campos ou Miguel Arraes): Rua da Harmonia, da Saudade, do Sossego, da União, da Aurora, da Amizade, do Sol. E das estradas: Velha de Água Fria, do Arraial, das Ubaias, de Belém, da Imbiribeira. (Esta última, hoje, Avenida Mascarenhas de Morais, coitada.)
Sobre os becos, entretanto, há um quase silêncio. Não do grande Mario Sette (1886-1950): “Essas passagens estreitas nasceram de um imperativo de sociabilidade. Comunicações mais curtas e rápidas por necessidades de relações, de visitas, de comércio, de amores. Ia-se mais depressa por ali, por entre casas. E a passagem como serventia pública persistiu na paisagem urbana.”
Mais: “Sua fisionomia, seu préstimo, sua figura popular veio a dar-lhe o nome. Beco da Viração, do Serigado, da Luxúria, do Sarapatel, do Veras, do Calabouço, da Roda, do Quiabo, das Sete Casas... Cada denominação dessas ressalta uma origem. É uma tela, é um retrato. Tem cor, tem cheiro, tem malícia...”
Existe até um beco a ser tombado pelo Iphan. (Fica além fronteiras, é verdade.) Sobre ele, disse Walter Cavalcanti, historiador: “O Beco do Mijo é parte do patrimônio líquido e imaterial de Olinda. Quem nunca (...) se aliviou no local não passou pela verdadeira experiência olindense. O Beco é considerado memória afetiva e olfativa da cidade”.
Olinda e o Recife já lutaram uma contra a outra, mas hoje são (quase) a mesma cidade. O Beco do Mijo também é nosso.
(As citações são de Mario Sette, “Arruar: História pitoresca do Recife Antigo”. CEB, Rio de Janeiro, 1948, pág. 15, e de Giuseppe Niochio, “Beco do Mijo, em Olinda, será tombado pelo Iphan”, Blog Diário Pernambucano, 14/9/2015)

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