Gustavo Maia Gomes
As “Crônicas do Mundo” tratam de eventos e processos
políticos e econômicos internacionais nos últimos 60 anos. Foram motivadas pela
leitura de quatro livros extraordinários: Era dos
Extremos, de Hobsbawm; Pós-Guerra, de Judt; A revolução de 1989, de Sebestyen; e Ascensão e Queda do
Comunismo, de Brown. (Veja as referências
completas ao final deste texto.)
Símbolo de uma revolução real, em Cuba, Che Guevara morreu comandando uma revolução imaginária, na Bolívia. (Em 9/10/1967) |
Introito
No
mundo da Guerra Fria, enquanto ditaduras de direita tinham o apoio automático
dos Estados Unidos, quem defendesse ou pusesse em prática medidas
redistributivas radicais – por exemplo, a reforma agrária –, enfrentava a infalível
oposição dos norteamericanos. Sendo assim, era fácil, especialmente, para jovens idealistas e intelectuais
com interesse em política, identificar o mal com o “imperialismo ianque” e o bem
com quem fosse por eles combatido.
Foi
neste contexto histórico que, em 1959, Fidel Castro e seu minúsculo exército derrubaram
o governo de Fulgencio Batista. Considerando o curriculum vitae do ditador derrotado, devemos admitir que os
jovens guerrilheiros (àquela altura, certamente, ainda “idealistas”) fizeram o
que devia ser feito. Também era de se esperar que eles não tivessem grandes
simpatias pelos vizinhos poderosos:
O nível de corrupção dos sucessivos
governos cubanos era tal, com governantes em conluio com gângsteres americanos,
que o ressentimento com os Estados Unidos estava disseminado na sociedade
cubana muito antes de o país se tornar Comunista. (Brown, pág. 350)
Até
assumir o poder, Fidel Castro não tinha vínculos com o Partido Comunista, que só
se aliou à insurreição contra Batista quando a vitória final desta parecia
apenas uma questão de (pouco) tempo. Entretanto, destaca Hobsbawm:
Tudo
empurrava o movimento fidelista na direção do comunismo, desde a ideologia
social-revolucionária daqueles que tinham probabilidade de fazer insurreições
armadas de guerrilha até o anticomunismo apaixonado dos EUA na década de 1950, (...)
que automaticamente inclinava os rebeldes antiimperialistas a olhar Marx com
mais bondade. (Hobsbawm, pág. 427)
Havia,
portanto, naqueles primeiros momentos, muitas razões para que intelectuais da esquerda
internacional e jovens idealistas de classe média apoiassem com fervor a
revolução cubana, quando ela, vitoriosa, tornou-se governo. Mas, então, uma nova
realidade apareceu: Fidel Castro começou fuzilar em larga escala os que a ele
se opunham. O novo regime, rapidamente, revelou ser uma ditadura mais
sanguinária que a de Batista.
Mesmo
assim, a simpatia com a Revolução persistiu por longo tempo. Sustentou-a, entre
outras coisas, o contínuo desafio de Fidel Castro aos Estados Unidos e o aparente
idealismo dos cubanos, que mandavam guerrilheiros para fomentar imaginárias
revoluções na América Latina e tropas militares para lutar ao lado do Movimento
Popular de Libertação de Angola (1975-91).
Enquanto
isso, no plano interno, Castro continuava a fuzilar dissidentes; a economia cubana
permanecia travada; e o povo se mantinha tão pobre quanto sempre fora. Mas os
seus simpatizantes no mundo afora não sabiam direito dessas coisas ou, se sabiam,
preferiam ignorá-las.
Epílogo
Em
retrospecto, o regime castrista propiciou alguns ganhos sociais em educação e
saúde, bastante difundidos entre a população, mas, como todos os regimes
comunistas, com a única possível, parcial, e especialíssima exceção da China pós-Mao
Zedong, tem sido um enorme fracasso político e econômico.
“Fracasso”
é um termo comparativo. Ele denota a incapacidade de atingir um resultado que
teria sido possível e mais desejável do que aquele, efetivamente, alcançado. No
caso de Cuba, o fracasso político é dado pela eternização do regime ditatorial (e
aqui se imiscui o juízo de valor “é melhor viver numa democracia do que numa
ditadura”) e pelo teste empírico irrecorrível: assim como não havia ninguém
querendo fugir da Berlim capitalista e democrática para a Berlim comunista e
ditatorial – mas um muro foi construído para estancar o fluxo de pessoas na
direção contrária –, também são muito poucos os que poderiam ir morar em Cuba,
mas não querem, comparados aos que quereriam sair de lá, mas não podem.
O
outro fracasso de Cuba é o lento crescimento econômico e o persistentemente baixo
produto por habitante, características comuns a todos os regimes onde os
burocratas, com sua autossuficiente ignorância, administram a economia criando
incentivos à redução da produção, ao invés de seu aumento.
O
fracasso econômico não era inevitável. Mais ou menos no mesmo período em que o
país tem sido governado pelos irmãos Castro, economias também pequenas, mas
onde o mercado desempenha papel preponderante – Taiwan, Hong Kong, Malásia,
Coreia do Sul são exemplos – se tornaram ricas e dinâmicas.
Deve
ser reconhecido que Cuba enfrenta há anos o bloqueio comercial, financeiro e de
movimento de pessoas ordenado pelos Estados Unidos. Seu governo,
compreensivelmente, atribui a este fator a responsabilidade pelo mau desempenho
econômico. Embora haja alguma verdade nisso, trata-se, fundamentalmente, de uma
falácia: todas as economias comandadas por burocratas, inclusive a da China,
fracassaram, com ou sem bloqueios.
Além
disso, como compensação às restrições americanas, Cuba recebeu durante muitos
anos fartos subsídios da União Soviética, sem que a sua economia se tornasse,
jamais, eficiente e dinâmica. É duvidoso, por fim, que os governantes cubanos
estejam, de fato, incomodados com o bloqueio. Do ponto de vista americano, esta
tem sido uma política míope, estúpida e contraproducente, como tantas outras
emanadas da grande potência capitalista; do ponto de vista cubano, entretanto, o
embargo trouxe vantagens que a própria razão desconhece.
Como
está escrito em Ascensão e Queda do
Comunismo:
Se
as conquistas na saúde e na educação ajudaram a sustentar o apoio ao sistema
existente em Cuba, um aliado involuntário do regime têm sido os Estados Unidos.
(...) Ao impor um embargo econômico a Cuba, e ao dificultar as visitas de
cidadãos americanos à ilha, o governo dos EUA (...) ajudou a liderança cubana ao
sustentar a ameaça externa, e reforçar, assim, o patriotismo cubano. (Brown,
pág. 370)
Em
resumo, as esperanças originais associadas à romântica tomada de poder pelos
guerrilheiros de Fidel Castro se converteram em 50 anos de ditadura. A pobreza
que, no tempo de Batista, era a sina de muitos cubanos, passou a ser o destino
de todos. Ali, todo mundo tem direito à assistência médica – de terceira
classe; o povo inteiro recebe educação – de quinta categoria. Os que não
conseguem imaginar nada melhor do que isso estão satisfeitos. Os que conseguem
gostariam de fugir para Miami ou o Rio de Janeiro.
No
frigir dos ovos, beneficiários inquestionáveis do regime castrista só foram,
mesmo, dois tipos de pessoas: os fidéis e os raúis.
REFERÊNCIAS
Eric
Hobsbawn. Era dos Extremos: o breve
século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
Tony
Judt. Pós-Guerra: Uma História da Europa
desde 1945. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.
Victor
Sebestyen. Revolution 1989: The Fall of the Soviet Empire. New York: Pantheon, 2009.
Archie
Brown. Ascensão e Queda do Comunismo.
Rio de Janeiro: Record, 2010.
Gustavo
Maia Gomes, “Guerra Fria, 1945-89. (Crônicas do Mundo, I)”, em http://gustavomaiagomes.blogspot.com.br/2013/02/guerra-fria-1945-89-cronicas-do-mundo-i.html)
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