quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Cuba, 1959-2013 (Crônicas do Mundo, II)


Gustavo Maia Gomes
As “Crônicas do Mundo” tratam de eventos e processos políticos e econômicos internacionais nos últimos 60 anos. Foram motivadas pela leitura de quatro livros extraordinários: Era dos Extremos, de Hobsbawm; Pós-Guerra, de Judt; A revolução de 1989, de Sebestyen; e Ascensão e Queda do Comunismo, de Brown. (Veja as referências completas ao final deste texto.)

Símbolo de uma revolução real, em Cuba,
Che Guevara  morreu  comandando uma
revolução imaginária, na Bolívia. (Em 9/10/1967)









Introito
No mundo da Guerra Fria, enquanto ditaduras de direita tinham o apoio automático dos Estados Unidos, quem defendesse ou pusesse em prática medidas redistributivas radicais – por exemplo, a reforma agrária –, enfrentava a infalível oposição dos norteamericanos. Sendo assim, era fácil, especialmente, para jovens idealistas e intelectuais com interesse em política, identificar o mal com o “imperialismo ianque” e o bem com quem fosse por eles combatido.
Foi neste contexto histórico que, em 1959, Fidel Castro e seu minúsculo exército derrubaram o governo de Fulgencio Batista. Considerando o curriculum vitae do ditador derrotado, devemos admitir que os jovens guerrilheiros (àquela altura, certamente, ainda “idealistas”) fizeram o que devia ser feito. Também era de se esperar que eles não tivessem grandes simpatias pelos vizinhos poderosos:
O nível de corrupção dos sucessivos governos cubanos era tal, com governantes em conluio com gângsteres americanos, que o ressentimento com os Estados Unidos estava disseminado na sociedade cubana muito antes de o país se tornar Comunista. (Brown, pág. 350)

Até assumir o poder, Fidel Castro não tinha vínculos com o Partido Comunista, que só se aliou à insurreição contra Batista quando a vitória final desta parecia apenas uma questão de (pouco) tempo. Entretanto, destaca Hobsbawm:
Tudo empurrava o movimento fidelista na direção do comunismo, desde a ideologia social-revolucionária daqueles que tinham probabilidade de fazer insurreições armadas de guerrilha até o anticomunismo apaixonado dos EUA na década de 1950, (...) que automaticamente inclinava os rebeldes antiimperialistas a olhar Marx com mais bondade. (Hobsbawm, pág. 427)
Havia, portanto, naqueles primeiros momentos, muitas razões para que intelectuais da esquerda internacional e jovens idealistas de classe média apoiassem com fervor a revolução cubana, quando ela, vitoriosa, tornou-se governo. Mas, então, uma nova realidade apareceu: Fidel Castro começou fuzilar em larga escala os que a ele se opunham. O novo regime, rapidamente, revelou ser uma ditadura mais sanguinária que a de Batista.
Mesmo assim, a simpatia com a Revolução persistiu por longo tempo. Sustentou-a, entre outras coisas, o contínuo desafio de Fidel Castro aos Estados Unidos e o aparente idealismo dos cubanos, que mandavam guerrilheiros para fomentar imaginárias revoluções na América Latina e tropas militares para lutar ao lado do Movimento Popular de Libertação de Angola (1975-91).
Enquanto isso, no plano interno, Castro continuava a fuzilar dissidentes; a economia cubana permanecia travada; e o povo se mantinha tão pobre quanto sempre fora. Mas os seus simpatizantes no mundo afora não sabiam direito dessas coisas ou, se sabiam, preferiam ignorá-las.
Epílogo
Em retrospecto, o regime castrista propiciou alguns ganhos sociais em educação e saúde, bastante difundidos entre a população, mas, como todos os regimes comunistas, com a única possível, parcial, e especialíssima exceção da China pós-Mao Zedong, tem sido um enorme fracasso político e econômico.
“Fracasso” é um termo comparativo. Ele denota a incapacidade de atingir um resultado que teria sido possível e mais desejável do que aquele, efetivamente, alcançado. No caso de Cuba, o fracasso político é dado pela eternização do regime ditatorial (e aqui se imiscui o juízo de valor “é melhor viver numa democracia do que numa ditadura”) e pelo teste empírico irrecorrível: assim como não havia ninguém querendo fugir da Berlim capitalista e democrática para a Berlim comunista e ditatorial – mas um muro foi construído para estancar o fluxo de pessoas na direção contrária –, também são muito poucos os que poderiam ir morar em Cuba, mas não querem, comparados aos que quereriam sair de lá, mas não podem.
O outro fracasso de Cuba é o lento crescimento econômico e o persistentemente baixo produto por habitante, características comuns a todos os regimes onde os burocratas, com sua autossuficiente ignorância, administram a economia criando incentivos à redução da produção, ao invés de seu aumento.
O fracasso econômico não era inevitável. Mais ou menos no mesmo período em que o país tem sido governado pelos irmãos Castro, economias também pequenas, mas onde o mercado desempenha papel preponderante – Taiwan, Hong Kong, Malásia, Coreia do Sul são exemplos – se tornaram ricas e dinâmicas.
Deve ser reconhecido que Cuba enfrenta há anos o bloqueio comercial, financeiro e de movimento de pessoas ordenado pelos Estados Unidos. Seu governo, compreensivelmente, atribui a este fator a responsabilidade pelo mau desempenho econômico. Embora haja alguma verdade nisso, trata-se, fundamentalmente, de uma falácia: todas as economias comandadas por burocratas, inclusive a da China, fracassaram, com ou sem bloqueios.
Além disso, como compensação às restrições americanas, Cuba recebeu durante muitos anos fartos subsídios da União Soviética, sem que a sua economia se tornasse, jamais, eficiente e dinâmica. É duvidoso, por fim, que os governantes cubanos estejam, de fato, incomodados com o bloqueio. Do ponto de vista americano, esta tem sido uma política míope, estúpida e contraproducente, como tantas outras emanadas da grande potência capitalista; do ponto de vista cubano, entretanto, o embargo trouxe vantagens que a própria razão desconhece.
Como está escrito em Ascensão e Queda do Comunismo:
Se as conquistas na saúde e na educação ajudaram a sustentar o apoio ao sistema existente em Cuba, um aliado involuntário do regime têm sido os Estados Unidos. (...) Ao impor um embargo econômico a Cuba, e ao dificultar as visitas de cidadãos americanos à ilha, o governo dos EUA (...) ajudou a liderança cubana ao sustentar a ameaça externa, e reforçar, assim, o patriotismo cubano. (Brown, pág. 370)
Em resumo, as esperanças originais associadas à romântica tomada de poder pelos guerrilheiros de Fidel Castro se converteram em 50 anos de ditadura. A pobreza que, no tempo de Batista, era a sina de muitos cubanos, passou a ser o destino de todos. Ali, todo mundo tem direito à assistência médica – de terceira classe; o povo inteiro recebe educação – de quinta categoria. Os que não conseguem imaginar nada melhor do que isso estão satisfeitos. Os que conseguem gostariam de fugir para Miami ou o Rio de Janeiro.
No frigir dos ovos, beneficiários inquestionáveis do regime castrista só foram, mesmo, dois tipos de pessoas: os fidéis e os raúis.

REFERÊNCIAS
Eric Hobsbawn. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
Tony Judt. Pós-Guerra: Uma História da Europa desde 1945. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.
Victor Sebestyen. Revolution 1989: The Fall of the Soviet Empire. New York: Pantheon, 2009.
Archie Brown. Ascensão e Queda do Comunismo. Rio de Janeiro: Record, 2010.
Gustavo Maia Gomes, “Guerra Fria, 1945-89. (Crônicas do Mundo, I)”, em http://gustavomaiagomes.blogspot.com.br/2013/02/guerra-fria-1945-89-cronicas-do-mundo-i.html)

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