terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Vietnam, 1965-75 (Crônicas do Mundo, IV)

Gustavo Maia Gomes

As “Crônicas do Mundo” tratam de eventos e processos políticos e econômicos internacionais nos últimos 60 anos. Foram motivadas pela leitura de quatro livros extraordinários: Era dos Extremos, de Hobsbawm; Pós-Guerra, de Judt; A revolução de 1989, de Sebestyen; e Ascensão e Queda do Comunismo, de Brown. (Veja as referências completas ao final deste texto.)
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Ambientada no conflito ideológico e de arsenais militares entre a União Soviética e os Estados Unidos, a Guerra do Vietnam (na verdade, a segunda, pois a primeira terminara em 1953, com a vitória parcial dos nacionalistas / comunistas de Ho Chi Minh sobre a França) dominou o noticiário internacional durante dez anos.
Foi uma clara intervenção americana em assuntos que deveriam ser internos (embora o então Vietnam do Norte tivesse o apoio da China comunista). E que intervenção: se as fontes – neste caso, não citadas – de Hobsbawm (pág. 215) estiverem certas, os Estados Unidos despejaram ali “um volume de explosivos maior do que o empregado em toda a Segunda Guerra Mundial”.
Desastre
Do começo ao fim, a Guerra do Vietnam foi um desastre militar, econômico e político para os Estados Unidos e, em médio prazo, o mundo. Desastre militar, pois o envolvimento dos EUA foi se tornando cada vez maior (no pico, meio milhão de soldados americanos estavam em combate no Sudeste asiático), enquanto os resultados iam ficando cada vez mais desfavoráveis, até a derrota final.
Desastre econômico: os pesados gastos militares provocaram emissão de moeda acima do tolerável, gerando, nos EUA, inflação e desequilíbrio externo. O excesso de dólares em circulação e seu reflexo inflacionário tornaram impossível manter as taxas fixas de câmbio e a conversibilidade em ouro da moeda americana, dois pilares do comércio internacional, desde os acordos de Bretton-Woods (1944): em 1971, o presidente Nixon decretou o fim da conversibilidade do dólar. Dois anos antes de a guerra acabar, num movimento com raízes nos mesmos fatores econômicos, além de outros mais propriamente políticos, a OPEP multiplicou por quatro o preço em dólar do barril de petróleo, lançando o mundo em grave crise.
Desastre político: externamente, a guerra suscitou oposição de todos os lados, desgastando a imagem dos Estados Unidos e sua capacidade de liderar os aliados; internamente, o país se dividiu entre os que apoiavam e os que eram contra a continuação da guerra. Surgiu um poderoso movimento pacifista, com os jovens (sobretudo, aqueles em idade de ser convocados) fazendo protestos e engrossando a corrente de opinião que não via sentido em enviar compatriotas para morrer lutando por objetivos obscuros em terras alheias. A confiança pública nas instituições, como o Exército, declinou a níveis sem precedentes.
Por quê?
É quase impossível compreender, diz Hobsbawm (pág. 241), por que os EUA “foram se envolver numa guerra condenada, contra a qual seus aliados, os neutros e até a União Soviética os tinham avisado”, mas ele mesmo dá a pista: o erro estratégico só pode ser explicado “como parte daquela densa nuvem de incompreensão, confusão e paranoia dentro da qual os principais atores da Guerra Fria tateavam o caminho”. E, posso acrescentar, quase nunca o achavam.
Ao contrário do que tinha ocorrido na Coreia (onde não se pode dizer que tenha havido, inequivocamente, vencedores ou perdedores), desta vez, os americanos foram, claramente, vencidos. Seu objetivo de manter o então Vietnam do Sul como uma nação alinhada ao bloco capitalista não foi alcançado: a guerra terminou com a unificação dos dois Vietnam, sob a égide do Norte. Além disso, em outro sinal inequívoco de derrota, foi completamente anárquica e desesperada a evacuação dos últimos soldados e civis americanos da sua base principal na cidade que trocou de nome para Ho Chi Minh, mas cujos habitantes voltaram a conhecer como Saigon (Brown, pág. 701).
Se os americanos foram derrotados, então os vietnamitas saíram vencedores. Mas, a que custo?
A Guerra da Coreia, cujos mortos foram estimados entre 3 e 4 milhões (em um país de 30 milhões) e os trinta anos de guerras do Vietnam (1945-75) foram de longe as maiores guerras e as únicas em que as próprias forças americanas se envolveram diretamente em grande escala. Em cada uma delas, cerca de 50 mil americanos foram mortos. As perdas dos vietnamitas e outros povos indochineses são difíceis de estimar, mas a estimativa mais modesta chega a 2 milhões. (Hobsbawm, pág. 422)
Vitória de Pirro. O mundo perdeu. Com a guerra, mais do que com seu resultado final.

REFERÊNCIAS
Eric Hobsbawn. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
Tony Judt. Pós-Guerra: Uma História da Europa desde 1945. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.
Victor Sebestyen. Revolution 1989: The Fall of the Soviet Empire. New York: Pantheon, 2009.
Archie Brown. Ascensão e Queda do Comunismo. Rio de Janeiro: Record, 2010.

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