Gustavo Maia Gomes
As “Crônicas do Mundo” tratam de eventos e processos políticos e econômicos internacionais nos últimos 60 anos. Foram motivadas pela leitura de quatro livros extraordinários: Era dos Extremos, de Hobsbawm; Pós-Guerra, de Judt; A revolução de 1989, de Sebestyen; e Ascensão e Queda do Comunismo, de Brown. (Veja as referências completas ao final deste texto.)
Chefe de Polícia de Saigon executa suspeito de colaborar com guerrilheiros, em |
Ambientada
no conflito ideológico e de arsenais militares entre a União Soviética e os
Estados Unidos, a Guerra do Vietnam (na verdade, a segunda, pois a primeira
terminara em 1953, com a vitória parcial dos nacionalistas / comunistas de Ho
Chi Minh sobre a França) dominou o noticiário internacional durante dez anos.
Foi
uma clara intervenção americana em assuntos que deveriam ser internos (embora o
então Vietnam do Norte tivesse o apoio da China comunista). E que intervenção:
se as fontes – neste caso, não citadas – de Hobsbawm (pág. 215) estiverem
certas, os Estados Unidos despejaram ali “um volume de explosivos maior do que
o empregado em toda a Segunda Guerra Mundial”.
Desastre
Do
começo ao fim, a Guerra do Vietnam foi um desastre militar, econômico e político
para os Estados Unidos e, em médio prazo, o mundo. Desastre militar, pois o
envolvimento dos EUA foi se tornando cada vez maior (no pico, meio milhão de
soldados americanos estavam em combate no Sudeste asiático), enquanto os
resultados iam ficando cada vez mais desfavoráveis, até a derrota final.
Desastre
econômico: os pesados gastos militares provocaram emissão de moeda acima do
tolerável, gerando, nos EUA, inflação e desequilíbrio externo. O excesso de
dólares em circulação e seu reflexo inflacionário tornaram impossível manter as
taxas fixas de câmbio e a conversibilidade em ouro da moeda americana, dois
pilares do comércio internacional, desde os acordos de Bretton-Woods (1944): em
1971, o presidente Nixon decretou o fim da conversibilidade do dólar. Dois anos
antes de a guerra acabar, num movimento com raízes nos mesmos fatores econômicos,
além de outros mais propriamente políticos, a OPEP multiplicou por quatro o
preço em dólar do barril de petróleo, lançando o mundo em grave crise.
Desastre
político: externamente, a guerra suscitou oposição de todos os lados,
desgastando a imagem dos Estados Unidos e sua capacidade de liderar os aliados;
internamente, o país se dividiu entre os que apoiavam e os que eram contra a
continuação da guerra. Surgiu um poderoso movimento pacifista, com os jovens
(sobretudo, aqueles em idade de ser convocados) fazendo protestos e engrossando
a corrente de opinião que não via sentido em enviar compatriotas para morrer lutando
por objetivos obscuros em terras alheias. A confiança pública nas instituições,
como o Exército, declinou a níveis sem precedentes.
Por quê?
É
quase impossível compreender, diz Hobsbawm (pág. 241), por que os EUA “foram se
envolver numa guerra condenada, contra a qual seus aliados, os neutros e até a União
Soviética os tinham avisado”, mas ele mesmo dá a pista: o erro estratégico só
pode ser explicado “como parte daquela densa nuvem de incompreensão, confusão e
paranoia dentro da qual os principais atores da Guerra Fria tateavam o caminho”.
E, posso acrescentar, quase nunca o achavam.
Ao
contrário do que tinha ocorrido na Coreia (onde não se pode dizer que tenha
havido, inequivocamente, vencedores ou perdedores), desta vez, os americanos
foram, claramente, vencidos. Seu objetivo de manter o então Vietnam do Sul como
uma nação alinhada ao bloco capitalista não foi alcançado: a guerra terminou
com a unificação dos dois Vietnam, sob a égide do Norte. Além disso, em outro
sinal inequívoco de derrota, foi completamente anárquica e desesperada a evacuação
dos últimos soldados e civis americanos da sua base principal na cidade que
trocou de nome para Ho Chi Minh, mas cujos habitantes voltaram a conhecer como
Saigon (Brown, pág. 701).
Se
os americanos foram derrotados, então os vietnamitas saíram vencedores. Mas, a
que custo?
A
Guerra da Coreia, cujos mortos foram estimados entre 3 e 4 milhões (em um país
de 30 milhões) e os trinta anos de guerras do Vietnam (1945-75) foram de longe
as maiores guerras e as únicas em que as próprias forças americanas se
envolveram diretamente em grande escala. Em cada uma delas, cerca de 50 mil
americanos foram mortos. As perdas dos vietnamitas e outros povos indochineses
são difíceis de estimar, mas a estimativa mais modesta chega a 2 milhões. (Hobsbawm,
pág. 422)
Vitória
de Pirro. O mundo perdeu. Com a guerra, mais do que com seu resultado final.
REFERÊNCIAS
Eric
Hobsbawn. Era dos Extremos: o breve
século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
Tony
Judt. Pós-Guerra: Uma História da Europa
desde 1945. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.
Victor
Sebestyen. Revolution 1989: The Fall of the Soviet Empire. New York: Pantheon, 2009.
Archie
Brown. Ascensão e Queda do Comunismo.
Rio de Janeiro: Record, 2010.
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