segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

"Esse governo vai cair. Sua inépcia supera a imaginação"

Gustavo Maia Gomes

(Entrevista com Zamuk Amin sobre o momento político brasileiro)


Há cientistas políticos que não são uma coisa nem outra. Não é o caso de Zamuk Amin. Nascido no Ondéquistão, ele tem ideias claras sobre o Brasil, país que jamais visitou e cuja existência, até recentemente, desconhecia. Entrevistei-o após as manifestações a favor do-impeachment desse domingo (13/12/15). A seguir, um resumo da conversa.

E o povo não foi às ruas na quantidade esperada. Por quê?
Mesmo que abaixo da expectativa, a quantidade de pessoas nas ruas, ontem, deve ter sido duzentas vezes maior do que em qualquer das manifestações de apoio a Dilma. É algo significativo. Mas, o baixo comparecimento, admitamos isso, ainda mais numa hora em que o processo de impeachment vê-se ameaçado de extinção por manobras políticas e processuais, demonstra que a maioria das pessoas não está, realmente, muito interessada no assunto. Protestar contra a corrupção escrevendo em redes sociais é uma coisa; tomar um ônibus num domingo e aguentar o calor, em vez de permanecer em casa bebendo cerveja, é outra.

O descrédito da classe política pode também ser responsável pelo ainda baixo interesse popular no impeachment de Dilma?
Certamente, é um fator. Há tanta lama que as pessoas não acreditam mais nas instituições políticas, administrativas, e da Justiça, nas quais incluo o governo, estritamente falando, o Congresso, e os tribunais. Isso é muito perigoso. Uma crise política, com suas repercussões destrutivas sobre a economia, como a que vocês estão vivendo, só comporta duas soluções: a democrática, conduzida pelas instituições políticas dentro da normalidade constitucional e a violenta, imposta, geralmente, pelas forças armadas. Já estudei um número suficiente de ditaduras militares, inclusive a brasileira de 1964 a 1985, para não recomendar essa segunda alternativa a ninguém.

Mas, Collor caiu porque as ruas assim exigiram. Então, havia interesse popular na queda do presidente, em 1992, e não há, hoje?
Não concordo com nenhuma das duas assertivas. Embora as ruas tenham tido um peso importante no final, Collor não começou a cair porque os meninos pintaram o rosto. Os meninos pintaram a cara porque ao presidente faltaram respaldo ideológico e um aparato partidário e institucional que ele pudesse acionar. Antes de perder nas ruas; ele perdeu as ruas, por carecer dessas duas vacinas contra a condenação pública e política.

E quanto ao desinteresse relativo das pessoas no impeachment de Dilma?
Eu não acho que o desejo das pessoas derrubar Collor tenha sido maior do que o existente hoje contra Dilma. Antes de o processo dele entrar na reta final, o entusiasmo devia ser tão ou mais baixo do que é hoje. Quem disse que as manifestações ocorridas durante o impeachment do presidente alagoano foram maiores que as de ontem? Que a quarta onda de protestos contra ele superou a primeira? Que os jovens de 1992 pintaram a cara em tantas cidades quanto as que já se mobilizaram contra Dilma? O comprometimento das pessoas com o impeachment de Collor pareceu enorme – e, no final, realmente, foi – simplesmente, por não ter aparecido ninguém e nenhuma instituição de peso para defendê-lo.

O senhor falou que Collor carecia de respaldo ideológico e de um aparato partidário e institucional a seu favor. Poderia detalhar isso?
Fernando Collor trouxe um discurso novo e adequado ao tempo. Refiro-me às ideias de maior abertura da economia, mais competição, redução do Estado. Pode ter sido apenas oportunismo (provavelmente, foi), mas, se a intelectualidade brasileira tivesse se convencido de que aquela era a ideologia adequada ao país, e não o esquerdismo anacrônico e o coitadismo que ela ainda hoje defende, o presidente não teria sido derrubado com tanta facilidade. A UNE e a OAB, por exemplo, teriam se posicionado a seu favor, não contra. Os professores universitários, idem. Teriam dito, como dizem hoje, que impeachment é golpe. Nessas condições, dificilmente haveria grandes movimentos de rua contra o presidente (poderia haver, sim, a favor!) e os deputados pensariam duas vezes, antes de prosseguir com o pedido de impeachment.

E quanto ao aparato partidário e institucional?
O PT, apesar de ter perdido a eleição, já era um partido consolidado e com forte base social. Controlava os sindicatos, tinha as simpatias da Igreja Católica, dos estudantes, de movimentos sociais, de muitos jornalistas, e de quase todos os intelectuais que faziam a opinião pública brasileira. Quando surgiu a oportunidade de uma revanche, após a derrota de 1989, esse povo todo se mobilizou, no Congresso e fora dele, para criar um ambiente favorável ao impeachment. E o que Collor tinha em seu arsenal para combater aquela gente ressentida e organizada? Nada.

O fato é que o povo saiu às ruas e o movimento empolgou muita gente.
No final, sim. No começo, duvido que as adesões tenham sido espontâneas. Não tenho informações concretas, mas desconfio que as manifestações de rua da época foram infladas por multidões trazidas do interior em ônibus fretados. Já observei muitos processos semelhantes e posso afirmar com tranquilidade: na maioria dos casos, se há uma multidão na praça, existirá, também, uma fila de ônibus estacionados em ruas próximas. Os ônibus são fretados pelos partidos, sindicatos, movimentos sociais. É assim que se produzem as multidões gritando slogans a favor ou contra, não apenas no Brasil. É, também, o que está faltando aos que defendem o impeachment de Dilma Rousseff. Acho notável que, apesar disso, ainda se consiga juntar tanta gente nas ruas.

Já sabemos que as manifestações a favor de Dilma são regadas a mortadela.
E pelo fornecimento de transporte e a vinculação da presença ao recebimento de benefícios como a inscrição em programas governamentais. Sindicatos e organizações “sociais” tipo MST são braços do governo. Os partidos ideológicos como o PT, PSTU, PSOL, PCdoB, idem, mesmo quando tentam negar. Algumas entidades, a exemplo da OAB e a UNE, igualmente. Como diria Fernandinho Beira-Mar, “está tudo dominado”. Apesar disso, esse governo vai cair.

Por quê?
Sua inépcia supera a imaginação e a maioria das pessoas não suportará indefinidamente ver a inflação pipocar, seus empregos sumirem e o país ser destruído. Para piorar as coisas, a inacreditável sucessão de roubalheiras envolvendo o PT tem efeitos desmoralizadores. Assim, fica difícil aos defensores do governo mobilizar uma reação efetiva contra os que pretendem derrubá-lo. A cada dia, um novo petista vai preso ou é denunciado: dois ex-presidentes do partido, dois ex-tesoureiros, deputados, o líder do governo no Senado, o amigo de Lula, seus filhos e uma nora, a namorada do ex-presidente... Nada disso ajuda o governo, ao contrário, imobiliza-o numa posição delicadíssima, o que contribui para o cada-dia-pior que se tornou a rotina do noticiário econômico.

E então?
Nessas condições, se Dilma escapar do atual pedido de impeachment, cairá mais adiante. Por renúncia, por um segundo pedido de impeachment, até mesmo por um golpe civil ou militar. Nessa última hipótese, um belo dia, ela chegará ao seu escritório em Palácio subindo as escadas (pois os ascensoristas se recusarão a transportá-la) apenas para receber voz de prisão de alguém sentado na cadeira presidencial, enquanto o povo, reunido na Praça dos Três Poderes, a vaiará intensamente ao vê-la escoltada pelo “japonês bonzinho” da Polícia Federal.

Que cenário, dentre os que apontou acima (impeachment agora, impeachment mais adiante, renúncia, e golpe civil ou militar) o senhor considera mais provável?
O primeiro, a menos que o Supremo dê um cheque mate no processo. Pode demorar um pouco, pois esse governo, pelas razões que expus, é duro na queda, mas o atual caminho que leva ao impeachment já me parece irreversível. É a segunda saída menos dolorosa da situação caótica a que o Brasil foi levado pelos governos petistas – não apenas o de Dilma, mas também o de seu mentor Lula. A primeira, naturalmente, seria a renúncia, que me parece improvável. A não ser que a presidente consiga colocar a pasta de dentes de volta ao dentifrício, como ela pediu que Obama fizesse, alguns meses atrás. Não vai acontecer. A renúncia seria um gesto de grandeza e Dilma Rousseff é desprovida de qualquer traço de grandeza. De inteligência, então, nem falo.


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