quarta-feira, 12 de abril de 2017

Pato ao Tucupi no Rio de Janeiro (Uma carta de Sargentelli a Luís Alípio de Barros, 1965)














GUSTAVO MAIA GOMES

Aprendi a gostar da comida paraense antes mesmo de conhecer Lourdes Barbosa, que é de lá, perita em gastronomia, minha mulher há 16 anos. Acontece que entre 1995 e 2003 eu fui diretor do IPEA, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, em Brasília, e tinha de comparecer às reuniões mensais da Sudam (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia) realizadas, quase sempre, em Belém. Isso aconteceu até à extinção da autarquia, em 2001. Foi nessas viagens e rápidas estadas que aprendi a apreciar as delícias culinárias daquele Estado.
Pois, meu parente Luís Alípio de Barros (1920-91), jornalista importante, alagoano de nascimento, carioca por adoção, frequentador assíduo de restaurantes, experimentou o tempero paraense trinta anos antes de mim. Sob o pseudônimo de Comendador Ventura, ele manteve durante anos uma coluna no célebre jornal Última Hora (que ajudou a fundar) com o sugestivo nome “Não morra pela boca”. 
Eis o que o Comendador Ventura, ou seja, Luís Alípio (Gomes) de Barros, escreveu, em 9 de outubro de 1965:
O Sargentelli, sim, o nosso Sargentelli da TV, do rádio e animador e defensor entusiástico da música popular brasileira de verdade, foi convocado e aceitou dirigir o restaurante Casa do Pará, bem ali na Avenida Franklin Roosevelt, num terceiro andar de um edifício bem pertinho da Maison de France.
Quem nos informou foi o próprio Sargentelli, numa divertidíssima carta. Diz ele que resolveu [lhe] dar o nome de Restaurante Tucupi da Casa do Pará. Os pratos do restaurante são, como não podia deixar de ser, típicos: Pato no Tucupi, Pirarucu, Tacacá, Casca de Siri, Frigideira de Camarão, etc. E comenta com sinceridade: “Não decorei ainda todos os nomes. As sobremesas e as batidas são variadíssimas. Os nomes, engraçados e, alguns, até difíceis de pronunciar. Aprenderei com o tempo”.
Diz mais: “A casa serve almoço diariamente. ‘Mandarei uma brasa’ [expressão típica da época] para fazer o horário de 18 horas. Pretendo transformar o Tucupi num local de encontro na hora em que a moçada se dirige para casa, saindo do ‘batente’. Para isso, estou adaptando o ambiente. A iluminação e decoração estão sendo transformadas pouco a pouco. Como devias imaginar, meu ‘chapa’ Comendador, muita viola, muito cantador, afoxê, agogô, recorreco e ziriguidum comporão o nosso Tucupi”.
Termina o Sargentelli dizendo que topou uma parada duríssima, mas que está dando tudo. É que ele não pensa em fracasso e, fracassando, ser rebaixado a Cabelli. Ao contrário, a sua vontade de luta é enorme e há como que a certeza do sucesso. Diz, concluindo: “Se não me faltar engenho e arte se os amigos ajudarem, minha promoção a Tenentelli será uma barbada”.

Eu, Gustavo, gostaria de ter provado o Pato ao Tucupi do Sargentelli, em 1965. O que minha mulher prepara é de tirar o chapéu. Mesmo sem ziriguidum.

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