sexta-feira, 7 de abril de 2017

Reflexões na contramão sobre um ator de novelas

Gustavo Maia Gomes

Quando eu tinha 18 anos (em 1966), tentei namorar uma moça cujo pai era conhecido no Recife como o terror da ortodoxia. (Ele ainda é vivo -- e não mudou nada; eu não tive êxito, mas esse fato é irrelevante para a presente história.) A moral sexual reinante na casa da minha amiga era tão rígida quanto devia ser a de um monastério medieval.
Um dia, soube pela minha não-namorada que estava havendo um "problema terrível" no âmbito da família. É que um homem não identificado vinha repetidamente telefonando para a sua casa e, quando era atendido, apenas pronunciava dois ou três palavrões, desligando em seguida.
O patriarca considerou isso o prenúncio do Apocalipse. Determinou que, em nenhuma hipótese, suas filhas atenderiam mais o telefone. (Naquele tempo, não havia a identificação do número na outra ponta da linha.) O resultado foi que, se só estivessem as meninas em casa, nem mesmo a informação de que seus pais haviam sido assassinados chegaria até elas.
A moça contou-me isso. (Ela era rebelde, não-conformista.) Quando lhe disse que não via ali nenhum problema, perguntou-me o que eu faria. Respondi-lhe que, se fossem minhas filhas, eu as mandaria continuar atendendo o telefone, como sempre. Caso recebessem uma ligação daquele homem, antes até (se possível) de ouvir o primeiro palavrão, deveriam mandá-lo tomar no ** e desligar imediatamente.
Lembrei-me disso com esse caso do ator global irrelevante e a mocinha global ofendida. Eis minha opinião: se ela não queria ser "assediada", que deixasse isso bem claro, desde a primeira tentativa. Caso o homem, a despeito disso, ignorasse o sinal (e, pior, passasse da palavra à mão boba), ela deveria prestar queixa na delegacia contra ele. E comunicar o fato à direção da empresa.
Não sei se ela agiu dessa forma. Tomara que sim. O que me choca é a exploração do assunto na mídia. A opinião pública em uníssono protesta contra a agressão a uma jovem, supostamente, "indefesa", sem perceber que, ao fazê-lo, reduz as mulheres (simbolizadas nessa moça) a debiloides mentais que não conseguem reagir por si sós nem sequer a cantadas indesejadas, feitas em plena luz do dia.
E o pior: pretende que essa atitude imbecilizante seja um exemplo de ação em defesa das mulheres! Mais ou menos como aquele senhor de moral rígida achava que fazia com suas filhas, ao proibir que elas atendessem o chamado do Corpo de Bombeiros mandando-as evacuar imediatamente a casa em chamas.

(Publicado também no Facebook, em 5//4/2017.A propósito do caso de assédio sexual do ator José Mayer a uma colega de trabalho, assunto largamente comentado na mídia esta semana.)

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