domingo, 4 de setembro de 2011

Quando o escândalo é legal, não há Polícia Federal


Uma notícia
1. “Uma revolta dos ministros do Supremo Tribunal Federal, que culminou em ameaças até de mandado de segurança contra a presidente Dilma Roussef, levou o governo a rever a proposta orçamentária para 2012 e estudar reajuste ao Judiciário. O pacote pode elevar o teto do funcionalismo para R$ 30,6 mil e inclui aumento de até 56%.” (Folha de São Paulo, 2/9/11)
Dois fatos
1. A remuneração do cargo de juiz federal substituto é de R$ 21.766,16. Constitui requisito que o candidato ao cargo seja bacharel em Direito há três anos, no mínimo. (Edital do XIV Concurso Público; Tribunal Regional Federal, 2011, 1ª Região.)
2. A remuneração para o cargo de professor adjunto, nível I, em regime de trabalho de 40 horas com dedicação exclusiva é de R$ 7.333,67. Constitui requisito que o candidato ao cargo tenha a titulação mínima de doutorado. (Edital de Concursos Públicos n. 6, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2011.)
Três comentários
1. Em salário, um juiz substituto vale três professores plenos. É certo que há queixas contra os docentes, mas a explicação do desnível não pode ser esta, pois também há reclamações contra os magistrados. Afinal, “tramitaram [em 2009], nos três ramos da Justiça, cerca de 86,6 milhões de processos (...) [mas só] foram proferidas 23,2 milhões de sentenças” [CNJ, Justiça em Números, 2009]. Ou seja, 73% dos processos existentes ficaram inconclusos. E o estoque de pendências continua aumentando.
2. Do professor se exige o doutorado, ou seja, no mínimo, mais quatro anos de estudo que o bacharelado, acrescidos da redação, defesa e aprovação de uma tese. Como a importância do que fazem é comparável, ideal seria que doutores-professores (19 anos de estudo) ganhassem proporcionalmente mais que bachareis-juízes (15 anos). Fazendo os cálculos, o salário do professor com doutorado deveria ser de R$ 27.570,27. “Isso não seria possível”, retruca o ministro da Fazenda. É verdade, mas, então, lembremos Stanislaw Ponte Preta: “ou nos locupletemos todos, ou restaure-se a moralidade”.
3. O argumento “o concurso de juiz tem 100 candidatos por vaga; portanto, ele merece ganhar mais” é infantil. Primeiro, porque, com a quantidade de bachareis em Direito desempregados que existe hoje, é fácil juntar muitos milhares deles ao simples aceno de salários razoáveis. Segundo, porque (um exemplo) se a presidente Dilma abrir concurso prometendo pagar R$ 21.766,16 por mês ao ascensorista do Palácio do Planalto, aparecerá um milhão de candidatos. Mas isso não fará do aprovado alguma coisa mais do que um ascensorista.
Quatro conclusões
1. Sem terem como, efetivamente, pressionar o governo, os professores continuarão ganhando não o que valem, mas o que sobra. Quando fazem greve, são ignorados: ninguém irá morrer por causa disso, e poucos dão real valor à educação.
2. No outro extremo, juízes e seus correlatos nem precisam de greves; basta deixarem circular a notícia de que irão impetrar mandado de segurança contra a presidente que as coisas se resolvem rapidinho. Em favor deles, claro.
3. No longo prazo, temos um problema, pois salários baixos afugentam os professores bons; e professores ruins só podem formar juízes ainda piores.
4. Finalmente, o mais grave: quando o escândalo é legal, não há Polícia Federal.

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