sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Tartarugas e política regional

(Texto a ser inserido nas orelhas do livro Conflito e conciliação: Políticas de desenvolvimento regional no mundo contemporâneo, em fase de publicação pelo Banco do Nordeste) 

 Este livro trata da experiência internacional contemporânea em políticas de desenvolvimento regional, conjuntos de ações de fomento à atividade econômica por meio das quais os governos procuram compensar desvantagens relativas e duradouras em qualidade de vida das populações residentes em algumas partes do seu território. Na maior parte das vezes, sem grande êxito.

Os economistas de formação ortodoxa não gostam desse assunto. Os mercados, deixados sozinhos, tratariam bem da questão, desde que houvesse livre movimentação de trabalhadores. Nesta visão, as políticas de desenvolvimento regional – que, obviamente, interferem nos mercados – são como as tartarugas: existem, sim, mas estão (ou deveriam estar) em vias de extinção.

Não é o que ocorre, na realidade. Há uma razão para isso: ainda que as forças de oferta e demanda pudessem, em algum dia do indeterminado futuro, eliminar as disparidades de rendimentos entre pessoas de mesma qualificação vivendo em diferentes regiões, isso se daria, em grande medida, pela mudança de residência. 

E a verdade é que as mulheres e homens têm apego ao lugar onde nasceram, pois é aí que elas e eles, provavelmente, desenvolvem os laços afetivos que perdurarão por toda a vida. Sendo assim, sempre haverá uma demanda para que as oportunidades de ganho sejam criadas nos lugares em que as pessoas têm raízes, um pressuposto básico das políticas de desenvolvimento regional. 

Patativa do Assaré, poeta popular cearense, sabia disso, quando compôs “A Triste Partida”; Luiz Gonzaga, cantor, pernambucano, migrante, que gravou a música, também:

Chegaram em São Paulo
Sem cobre quebrado
E o pobre acanhado
Percura um patrão
Meu Deus, meu Deus

Só vê cara estranha
De estranha gente
Tudo é diferente
Do caro torrão
Ai, ai, ai, ai

Trabaia dois ano,
Três ano e mais ano
E sempre nos prano
De um dia vortar...
  
Assim são as coisas: enquanto houver pessoas que hesitam em deixar para trás seu lugar de nascimento – caro torrão – ou que, se já estão longe, passam a vida fazendo pranos de vortar, as tartarugas e a política regional não morrerão. 

 Mesmo que elas continuem apenas nadando, nadando... e nada.

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