sábado, 31 de março de 2012

“Dois Sóis”, Três Acompanhados


Gustavo Maia Gomes
(Em torno de uma crônica de Luiz Otávio Cavalcanti)

Os países têm caras. As da Alemanha evocam filosofia, música, guerras: Kant, Bach, Hitler... As da França, elegância, arquitetura, revolução: Chanel, Eiffel, Guillotin... As da Itália, massas, mulheres, trampolinagens: Alfredo, Cardinale, Berlusconi... As da América, universidades, comida ruim, ratos: Harvard, MacDonalds, Mickey Mouse... As da Argentina, tango, demagogia, populismo: Gardel, Perón, as mulheres de Perón...

O Brasil tinha as caras de Millôr, Chico Anysio e Stanislaw Ponte Preta. (Da Ideli Salvati e da presidente da Petrobras, melhor nem falar.) Os três eram próximos no riso e na crítica social. Millôr disse: “imprensa é oposição, o resto são secos e molhados”; Chico ressaltou: “imprensa é denúncia”; Stanislaw escreveu: “se Jeová andasse direito, não precisava de testemunha”.

Mas eles eram distintos em tudo o mais. Millôr, filósofo; Chico, ator, Stanislaw, cronista. Um inventou o Pasquim e a história da Criação; outro deu vida a duzentos personagens, muitos, antológicos; o terceiro, em plena ditadura, fazia piada política e respondia cartas na Última Hora: — “Stan, aquele coronel imbecil morreu”. — “É, leitora, mas nascem outros”.

Millôr acendia reflexão: “se todos os homens recebessem exatamente o que merecem, ia sobrar muito dinheiro no mundo”; Chico, na mímica, despertava paixão: Alberto Roberto, Pantaleão, “quero que pobre se exploda”; Ponte Preta, na caneta, tripudiava sobre a mediocridade: ao mais célebre cronista social da época, Ibrahim Sued, prometeu doar o cérebro, “para uma completa reabilitação”.

Chico ria plural, para o coletivo; Millôr pensava singular, para cada um. Chico soltava piada; Millôr trabalhava a ironia. Chico realizava arte gestual; Millôr praticava o gestual da palavra. Ambos tinham claridade de sóis. Por isso, esta semana, o Brasil ficou na penumbra, como já tinha ficado em 1968, quando Stanislaw Ponte Preta (“Pode-se dizer a maior besteira; se for dita em latim, muitos concordarão”), morreu.

É, Luiz Otávio, mas (neste caso, felizmente) nascem outros.


PS: A crônica original de Luiz Otávio (“Dois sóis”) pode ser lida em http://www.facebook.com/permalink.php?story_fbid=198745550236441&id=100003029930288

Nenhum comentário:

Postar um comentário