Gustavo Maia Gomes
(Em torno de uma crônica de
Luiz Otávio Cavalcanti)
Os países têm caras. As da
Alemanha evocam filosofia, música, guerras: Kant, Bach, Hitler... As da França,
elegância, arquitetura, revolução: Chanel, Eiffel, Guillotin... As da Itália,
massas, mulheres, trampolinagens: Alfredo, Cardinale, Berlusconi... As da
América, universidades, comida ruim, ratos: Harvard, MacDonalds, Mickey Mouse...
As da Argentina, tango, demagogia, populismo: Gardel, Perón, as mulheres de
Perón...
O Brasil tinha as caras de
Millôr, Chico Anysio e Stanislaw Ponte Preta. (Da Ideli Salvati e da presidente
da Petrobras, melhor nem falar.) Os três eram próximos no riso e na crítica
social. Millôr disse: “imprensa é oposição, o resto são secos e molhados”;
Chico ressaltou: “imprensa é denúncia”; Stanislaw escreveu: “se Jeová andasse
direito, não precisava de testemunha”.
Mas eles eram distintos em
tudo o mais. Millôr, filósofo; Chico, ator, Stanislaw, cronista. Um inventou o
Pasquim e a história da Criação; outro deu vida a duzentos personagens, muitos,
antológicos; o terceiro, em plena ditadura, fazia piada política e respondia
cartas na Última Hora: — “Stan, aquele coronel imbecil morreu”. — “É, leitora,
mas nascem outros”.
Millôr acendia reflexão: “se
todos os homens recebessem exatamente o que merecem, ia sobrar muito dinheiro
no mundo”; Chico, na mímica, despertava paixão: Alberto Roberto, Pantaleão,
“quero que pobre se exploda”; Ponte Preta, na caneta, tripudiava sobre a
mediocridade: ao mais célebre cronista social da época, Ibrahim Sued, prometeu
doar o cérebro, “para uma completa reabilitação”.
Chico ria plural, para o
coletivo; Millôr pensava singular, para cada um. Chico soltava piada; Millôr
trabalhava a ironia. Chico realizava arte gestual; Millôr praticava o gestual
da palavra. Ambos tinham claridade de sóis. Por isso, esta semana, o Brasil
ficou na penumbra, como já tinha ficado em 1968, quando Stanislaw Ponte Preta
(“Pode-se dizer a maior besteira; se for dita em latim, muitos concordarão”),
morreu.
É, Luiz Otávio, mas (neste
caso, felizmente) nascem outros.
PS: A crônica original de
Luiz Otávio (“Dois sóis”) pode ser lida em
http://www.facebook.com/permalink.php?story_fbid=198745550236441&id=100003029930288
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