terça-feira, 11 de outubro de 2016

Freud explica Lula?

Gustavo Maia Gomes

As investigações policiais vão revelando que o ex-presidente Da Silva roubaria até galinhas, se os seus grandes negócios lhe deixassem algum tempo livre para dedicar a essas atividades prazerosas, mas pouco rentáveis. -- "Roubar galinhas. Ah, se eu pudesse!"
Falo sério: ou todos os indícios são falsos ou o cara é, obsessivamente, ladrão. Seu prontuário como desviador de recursos públicos é tão abrangente, diversificado e megalomaníaco que, acho eu, nem Freud explica. Ou explica?
A analogia que me vem à mente é a do menino Severino da Silva. Biu, como o chamávamos, passava fome no interior de Pernambuco, aí pelos 1970. Sem forças, aos quatro anos de idade, mal conseguia andar. Havia sido abandonado pelos pais.
Foi trazido para o Recife por uma família de classe média. Não tinha o status de filho adotado, mas, de repente, passou a se alimentar com fartura e regularidade. Em pouco tempo, (diria Luís Gonzaga) estava gordo como um major.
Mentalmente falando, contudo, se Biu tinha saído da fome, a fome não havia saído dele. Nos aniversários de criança, jamais brincava, até que o bolo fosse partido e a comilança autorizada. Permanecia horas em pé, ao lado da mesa. Obediente, nada comia. Esperava.
Quando o recreio tinha início, entretanto, Biu comia tudo, compulsivamente. Aquilo, para ele, era a festa. Nenhuma outra atividade lhe dava prazer. Queria, apenas, comer naquela tarde tudo o que a vida lhe negara durante tanto tempo.
E, assim, a vida passou. Biu nunca mais foi magro, mas virou um quase marginal. Não estudou. (Talvez, seus neurônios tivessem se atrofiado?) Mentia corriqueiramente. Era dado a pequenos furtos. (Os grandes nunca estiveram ao seu alcance.)
Se tivesse chegado a presidente, Biu teria festas de aniversário todos os dias. Comeria seiscentos brigadeiros, novecentas coxinhas, cinco mil e oitocentos cachorros quentes. Afogar-se-ia em piscinas de Coca Cola, enquanto os outros meninos apenas cantariam Parabéns pra Você, correndo pelos lados, em alvoroços tipicamente infantis.
Biu explica Lula? Sim e não. Sim, porque condições iniciais desfavoráveis podem marcar as pessoas para sempre. Não, porque nem todos os Da Silva são iguais. Conheço caso semelhante, vivido na mesma casa (Ezequiel, seu nome) de alguém que se tornou um cidadão respeitável, honesto, produtivo.
De Biu, nunca mais tive notícias. Deve estar preso, outra vez. Ezequiel aposentou-se como motorista de caminhão. Hoje, possui uma van e faz transporte escolar. Seus filhos, todos, tiveram sucesso na vida, nos limites do possível. Acho que são felizes.
Freud explica Biu, Lula. Mas, quem explica Ezequiel? Quem explica por que virar ladrão não era a única possibilidade?

(Publicado no Facebook, 11/10/2016)

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