quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Senhora de Engenho (Romance de Mário Sette, 1921)

Gustavo Maia Gomes


Mário Sette (1886-1950)
Li, em três dias, mas com atraso de 69 anos, o romance "Senhora de Engenho", do escritor pernambucano Mário Sette. Publicado em 1921, é anterior ao Manifesto Regionalista (1926), a "Casa Grande e Senzala" (1933) e a "Sobrados e Mucambos" (1936), de Gilberto Freyre; ao romance "A Bagaceira", de José Américo de Almeida (1928); e a toda a produção literária de José Lins do Rego. Antecipa muito da temática depois desenvolvida por cada um desses autores -- e por muitos outros.
"Senhora de Engenho" não é uma obra prima. (Ou, talvez, seja?) Fico sabendo que, em seu tempo, foi sucesso de vendas. As meninas o liam com avidez, chorando o amor secreto que Maria da Betânia nutria pelo seu companheiro de infância Nestor. Para meu gosto, a narrativa passa, em alguns momentos, muito perto do pieguismo. Mas esse é um "olhar 2016", quase cem anos mais velho do que o livro. As características duradouras da obra de Mário Sette, por outro lado, se impõem ao leitor bem avisado.
Nela, estão presentes os temas:
(1) da saída do herdeiro do engenho para a cidade (o Recife e o Rio de Janeiro) e o desprezo do estudante de Direito, depois, jovem bacharel, pelos valores e tradições do seu meio rural;
(2) do emprego público (sempre "arranjado" pelos bons amigos, embora o livro não explore muito isso) como viabilizador da mudança do campo para a cidade;
(3) da educação de segunda classe reservada para as mulheres, assim como de seu papel irrelevante na administração dos negócios da fazenda;
(4) do contraste entre a rotina escravizante do empregado urbano e a vida (supostamente) livre do proprietário rural dono de seu negócio;
(5) da política feita de alianças escusas e troca interessada de favores, embora esse tema seja abordado apenas em uma passagem (porém, importante) do livro;
(6) da superficialidade dos hábitos urbanos (como valorizar maçãs sem gosto, apenas por serem importadas da Europa), em contraste com o enraizamento em sólida moral dos costumes rurais;
(7) da possibilidade (ou, talvez, da utopia) de modernizar o velho engenho, não apenas em seus aspectos tecnológicos, mas, também, em suas relações de trabalho, melhorando as condições de vida dos trabalhadores;
(8) do triunfo final (aqui, mais um desejo do escritor do que um retrato realista de como as coisas se passaram) dos valores rurais sobre os urbanos, exemplificado no retorno do Rio de Janeiro para Tracunhaém (PE) tanto do personagem principal, Nestor, quanto de seu cunhado Lúcio e, acima de tudo (aí já forçando bastante a barra) a conversão aos valores rurais da carioca e urbaníssima mulher de Nestor, Hortência, a Senhora de Engenho.
E muito mais. Para quem se interessa pelo tema, "Senhora de Engenho", de Mário Sette, ainda é um livro que merece ser lido.

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