terça-feira, 20 de novembro de 2018

HORA DE HELDIO “VILLAR” À ESQUERDA?


Gustavo Maia Gomes
(Recife, 2-11-2018)
Meu amigo Heldio Villar escreveu, ontem, neste mesmo espaço onde alguns trocam ideias, outros, ofensas, um belo texto sobre as transformações da esquerda. Não pude compartilhá-lo, por razões técnicas, mas recomendo a leitura e cito uma de suas passagens:
“Essa ‘esquerda’ [contemporânea] – que, pelo visto, nada tem a ver com a clássica – foi ironicamente batizada de ‘esquerda 2.0’ e, também ironicamente, se intitula democrática, defende apaixonadamente as ‘minorias’ (preferencialmente o grupo LGBTIJMOPRW...), prega mais e mais direitos para o trabalhador, aplaude a rebelião dos alunos em sala de aula etc.” (Heldio Villar).
A “esquerda clássica”, segundo Villar, tinha como objetivo último a implantação do comunismo. No processo que conduziria inexoravelmente a este ideal (felizmente, houve problemas sérios no caminho), as regras de remuneração do esforço produtivo seriam alteradas, na linha antevista por Karl Marx (1818-83): “de cada um, de acordo com sua capacidade; para cada um, de acordo com sua necessidade”.
Em outras palavras, esclarece Heldio: quando, finalmente, o paraíso da esquerda fosse implantado, “se um solteiro produzisse 100 peças por dia, ganharia menos do que um pai de 6 filhos que produzisse 10 [peças]”. Ao que eu (GMG) acrescentaria: o inferno foi, inquestionavelmente, inventado por um economista burro.
**** De volta a 1992 ****
As reflexões de Heldio Villar me fizeram recordar que, na ICID I (Conferência Internacional sobre Impactos de Variações Climáticas e Desenvolvimento Sustentável em Regiões Semiáridas. Fortaleza, 1992) – realização memorável, sobretudo, de Antonio Rocha Magalhães –, eu havia tratado de tema semelhante.
No meu ensaio “Desenvolvimento sustentável no Nordeste: Uma interpretação impopular” (incluído no livro Gustavo Maia Gomes, Hermino Ramos de Souza e Antonio Rocha Magalhães, orgs., “Desenvolvimento Sustentável no Nordeste”, Brasília, Ipea, 1995, Cap. 1) escrito em 1992, está dito:
Constitui um dos paradoxos da vida que as bandeiras estritamente conservacionistas (ou conservadoras, até reacionárias) do movimento ambientalista tenham sido predominantemente apropriadas por grupos políticos que se identificam a si próprios como “de esquerda”, “reformistas” ou mesmo “revolucionários”. Por que se produziu esse fenômeno?
Uma interpretação poderia ser formulada em termos da teoria dos jogos. Existem dois grupos adversários no debate intelectual (e na ação política): o grupo n. 1 ocupa o lado direito da arena; o n. 2, o lado esquerdo.
A batalha se trava em torno de objetivos que têm a ver com o reconhecimento público dos discursos de cada grupo, reconhecimento este traduzido tanto na conquista de títulos acadêmicos quanto de cargos e favores governamentais.
Os dois grupos se beneficiam da existência da luta, pois esta lhes confere, a ambos, uma importância que não teriam se não houvesse a disputa.
Num determinado momento, duas coisas aconteceram: por um lado [anos 1970], a direita [Atenção: a DIREITA] começou a introduzir uma nova arma em seu arsenal, o discurso conservacionista, ambientalista, contra o “progresso”, contra o “desenvolvimento das forças produtivas”.
Por outro lado, pouco depois [últimos anos 1980], a esquerda sofreu um cataclismo, com a desmoralização gradual, porém rápida, de algumas de suas teses mais caras: a revolução, o socialismo, o planejamento econômico. Tudo isso virou pó, tragado pela história.
Prenunciou-se, portanto, uma vitória arrasadora de um dos oponentes, no debate intelectual e na disputa política. Seria, realmente, o “fim da história”. E isso não interessava a ninguém. Nem aos intelectuais da direita, que, ficando sem adversários, teriam seu valor de mercado consideravelmente depreciado, nem, muito menos, aos intelectuais da esquerda, ameaçados com o desemprego puro e simples.
Essa situação praticamente impôs aos jogadores um acordo implícito, pelo qual a direita entregou [à esquerda] seu discurso recém-adquirido (a temática conservador-ambientalista), ganhando, em troca, a continuação da disputa.
Reproduziram-se, assim, muito oportunamente, as condições de equilíbrio ideológico: o grupo n. 1 continua a ir à luta com suas armas mais tradicionais; o grupo n. 2, que perdeu o socialismo, empunha, agora, a proteção à natureza. Todos ficaram felizes. (Gustavo Maia Gomes, cit., págs. 10-11)
**** E hoje? ****
Como Heldio Villar nos lembrou, nos anos subsequentes a 1992, a esquerda, no mundo e no Brasil, em sua tentativa de evitar a desmoralização completa, continuou a incorporar outras bandeiras (além da ambientalista, conservadora) que não faziam parte do discurso original.
Karl Marx morreria de desgosto, se pudesse ver o que fizeram de suas ideias. Os pragmáticos pensadores esquerdistas, entretanto, veem as coisas de outra forma. Não abrem mão, por exemplo, de posar como defensores dos LGBTIJMOPRW – na nomenclatura de Heldio Villar.
Seu novo lema é: enquanto houver letras, haverá esperança.
(Publicado no Facebook)

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