terça-feira, 20 de novembro de 2018

MARISA NÃO LIA MUITO, É VERDADE...


Gustavo Maia Gomes
(Recife, 30-10-2018)
Outro dia, a Cultura; agora, a Livraria Saraiva fecha lojas, no Brasil todo. Marisa não lia muito, é verdade, mas lembrei-me dela, mesmo assim. Quando nos conhecemos, éramos dois jovens em férias, numa praia desabitada. Eu tinha meus livros; ela, seus encantos.
Antecipei em vinte anos a Constituição brasileira, que obriga o governo a gastar um quarto de seu dinheiro em educação, mas não cobra resultados. Eu usava metade de meu tempo a procurar namoradas, sem encontrar nenhuma. Até descobrir Marisa.
Na outra metade, lia jornais, revistas e livros. Frequentava livrarias. A Nacional, de seu Aluísio, na rua da Imperatriz, que mudou de nome para Nordeste. Depois, a Livro Sete, de Tarcísio Pereira. Eram as minhas preferidas.
Ao ver Marisa da primeira vez, eu tinha um livro à mão. Talvez fosse A Terceira Guerra Mundial, de Wright Mills; ou Análise do Homem, de Fromm; ou Filosofia da Vida, de Durant; ou a Lírica, de Camões; ou Cangaceiros e Fanáticos, de Facó.
Onde o havia comprado? Na Nacional, com certeza. Já os “jornais do Sul” (como dizíamos), outra de minhas paixões, eu os buscava na banca do Gasolina, encostada ao edifício Trianon. Na praia distante, era difícil ler jornais. Restringia-me aos livros levados do Recife.
Marisa em praias sem gente, livros, jornais, bancas e livrarias são parte de meu universo retrospectivo. Tudo isso está desaparecendo. As livrarias, principalmente. Jornais e bancas, idem. Os livros em papel ainda terão alguma sobrevida, não muita. A praia virou favelão. Marisa sumiu.
Para mim, é uma pena – ou várias; para meus filhos e netos, significa nada. Não perdem por esperar. Eles também terão os próprios símbolos queridos, efemeramente desfrutados. E os amores inesquecíveis, quase tão bons de lembrar quanto de viver.
Outro dia, a Cultura; agora, a Livraria Saraiva fecha lojas, no Brasil todo. Marisa não lia muito, é verdade, mas lembrei-me dela, mesmo assim. Quando nos conhecemos, éramos dois jovens em férias, numa praia desabitada. Eu tinha meus livros; ela, seus encantos.
(Publicado no Facebook)

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