terça-feira, 20 de novembro de 2018

NÃO PODIA DAR CERTO


Gustavo Maia Gomes
Brasília, 14 nov 2018
Raras vezes tive, em Brasília, o desejo, a janela e o tempo para observar a cidade panoramicamente, num dia normal de trabalho. Hoje, instalado na varanda do hotel em que me hospedo, olho, vejo, conto – e me espanto.
Olho o Congresso Nacional, os ministérios, a Biblioteca, o Ipea, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica, o Banco Central. Vejo milhares de carros estacionados em dez pontos diferentes, e outros milhares circulando.
Conto o que custou construir os palácios e edifícios; quanto custa remunerar os que neles trabalham, manter e iluminar os prédios, fazer rodar a frota de carros. Uma fábula.
Conto – e me espanto. Brasília nasceu, cresceu e se mantém viva exclusivamente devido ao dinheiro público. É bela, agradável, moderna, inovadora, mas morreria em dois meses, se o governo saísse daqui e fosse malbaratar nossos impostos em outra freguesia.
Voltemos aos anos 1950. Era importante transferir a capital para o Centro-Oeste? Admitamos que sim. Seria preciso construir uma nova cidade? Claro que não. Somente quem podia torrar o nosso dinheiro impunemente teria a coragem de cometer tamanha insanidade. Goiânia estava ali. Por que não elevá-la a capital da República?
Uma pinturazinha em edifícios já existentes daria para abrigar neles os primeiros órgãos federais transferidos para a nova capital. A construção de outros prédios – quando se fizesse necessária – seria financiada com a venda dos edifícios correspondentes na capital antiga. O Ministério da Fazenda precisa se mudar? Ótimo. Ponha à venda a sede que tem no Rio. Quando alguém pagar por ela, use o dinheiro para construir a nova sede, em Goiânia.
Ah, mas quem pensava assim não compreendia o destino manifesto do Brasil, que Stefan Zweig havia chamado “o país do futuro”. (Suicidou-se logo em seguida.) Era fácil e heroico os governantes dissiparem o dinheiro alheio, em nome da hipotética grandeza. Eu queria ver quem se habilitaria a construir uma cidade no deserto pagando do próprio bolso.
Os anos entre 1950 e 1980 foram o tempo em que meu pai estava em plena atividade produtiva. Sua geração pagou Brasília com a inflação, como a minha está pagando com o desemprego, a de meus filhos continuará a pagar com o crescimento econômico medíocre, e a dos meus netos, bisnetos...
Esse foi, seguramente, o brinquedo mais caro que já se construiu e se mantém em funcionamento no mundo inteiro. Com exceção de Dubai, talvez. Mas, Dubai não é problema nosso. Brasília, sim. Enquanto o Brasil for regido por essa mentalidade, não pode dar certo.
(Publicado no Facebook)

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