segunda-feira, 28 de maio de 2012

Espelho, espelho meu. Existe alguém mais Pinóquio do que eu?


Gustavo Maia Gomes
Uma intrigante peça teatral está sendo encenada no Brasil. Contrariamente às telenovelas, ela é realista e terá desfecho rápido. Os dois primeiros atos já foram encenados. Aguarda-se, agora, o último.
PRIMEIRO ATO
Na edição distribuída sábado, 26 de maio, a revista Veja publica o seguinte:
Há um mês, o ministro Gilmar Mendes, do STF, foi convidado para uma conversa com Lula. O encontro foi realizado no escritório do ex-ministro [do STF, da Defesa e da Justiça] Nelson Jobim. Depois de algumas amenidades, Lula disse a Gilmar: “É inconveniente julgar esse processo [do mensalão] agora”.
A matéria continua:
Depois de afirmar que detém o controle político da CPI do Cachoeira, Lula ofereceu proteção a Gilmar Mendes, dizendo que ele não teria motivo para preocupação com as investigações. O recado foi decodificado. Se Gilmar aceitasse ajudar os mensaleiros, ele seria blindado na CPI.
A reação do assediado corrobora essa interpretação:
“Fiquei perplexo com o comportamento e as insinuações despropositadas do presidente Lula”, disse Gilmar Mendes a Veja.
Cai o pano.
SEGUNDO ATO
Em um dos blogs do jornal O Globo, às 16:20 do mesmo dia 26, Jorge Bastos Moreno postou a seguinte informação sobre o assunto:
Acabo de falar com o anfitrião. Jobim confirma o encontro, mas nega seu conteúdo. [Ele disse:] “não houve nada disso do que a Veja, segundo me informaram, está publicando”.
Se a trapalhada terminasse aqui, seria apenas um caso de declarações falsamente atribuídas (pela Veja) a Gilmar Mendes. Mas Jorge Moreno acrescentou outra informação:
Amiga minha, de Diamantino (MT), terra de Gilmar Mendes, a meu pedido, localiza Gilmar. E se atreve a perguntar se era tudo verdade: “Claro que é! Eu mesmo confirmei tudo à revista”.
Cai o pano; aumentam as emoções.
TERCEIRO ATO
Este ainda não começou, mas os espectadores esperam um final infeliz, pois, de uma das seguintes possibilidades, o autor dificilmente poderá fugir:
HIPÓTESE 1: A Veja mentiu sobre as declarações de Gilmar Mendes. Mas, então, (a) ou Jorge Moreno também mentiu, ao atribuir ao ministro do STF a confirmação do que a revista publicou, ou (b) Gilmar Mendes faltou com a verdade, ao confirmar que dissera o que não tinha dito. Excluída a última possibilidade (forte demais, mesmo para o contexto surrealista da peça), neste cenário, ficariam bem Nelson Jobim, Gilmar Mendes e Lula. Sairiam como mentirosos a Veja e o blogueiro de O Globo.
HIPÓTESE 2: A Veja reproduziu corretamente as declarações de Gilmar Mendes, mas ele desmente isso, depois de tê-lo confirmado. Não teriam problemas a revista e o repórter Jorge Moreno. Já Gilmar Mendes e Nelson Jobim passariam a ser mentirosos e Lula, para dizer o mínimo, teria sido flagrado em uma manobra não-republicana.
HIPÓTESE 3: A Veja disse a verdade e Gilmar Mendes confirma isso diretamente. Salvar-se-iam-se a revista, o repórter Jorge Bastos Moreno e Gilmar Mendes. Nelson Jobim passaria a ser o mentiroso e Lula seria culpado de tentar direcionar o comportamento de um ministro do STF usando de ameaças nada sutis.
O QUE DIRÁ A CRÍTICA?
Nenhum desses cenários é agradável. No primeiro, seria péssimo saber que nossa revista de maior circulação publica como fatos coisas que nunca existiram. No segundo, seria intolerável admitir que um ministro do Supremo Tribunal Federal e um ex-ministro da Justiça são mentirosos e que um ex-presidente da República foi flagrado em comportamento criminoso. No terceiro cenário, a Veja e Gilmar Mendes não teriam problemas, porém Nelson Jobim e Lula ficariam muito mal.
Mas, quem sabe, o autor guarde em segredo uma saída bem brasileira para o drama: o PT negocia com o PSDB (“Perillo é amigo do Cascatinha; Cachoeira, ele nunca viu”), que negocia com o PMDB (“Cabral, tu és nosso e nós somos teu”), que negocia com o PQP (frase impublicável), que negocia com o PT (“Agnelo, dorme em paz”) -– e não se fala mais do assunto. Lula, Gilmar e Jobim cada um fica na sua, fingindo que nada aconteceu. E o público sai resignado: mais uma vez, terá feito o papel de bobo.
REFERÊNCIAS
As citações de Veja estão em Rodrigo Rangel e Otávio Cabral, “Um ex defende seu legado”. Veja n. 2271, 30 de maio de 2012, págs. 62-67. As citações de Jorge Bastos Moreno estão em http://oglobo.globo.com/pais/moreno/posts/2012/05/26/um-fato-duas-versoes-gilmar-jobim-447411.asp

Este artigo está sendo publicado, simultaneamente, em
(28/05/2012)

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