terça-feira, 26 de março de 2013

Hugo Chavez, Mensalão, Seca no Nordeste, Eduardo Campos e o Google Trends


Gustavo Maia Gomes
Quão popular era Hugo Chavez vivo, comparado a Hugo Chavez morto? Em que mês foi maior o interesse público pelo Mensalão, desde que aquele esquema de compra de votos foi revelado? Quando as pessoas manifestaram mais curiosidade em relação à seca no Nordeste? Desde que iniciou a campanha informal para Presidente, tem Eduardo Campos conseguido atrair mais atenção dos possíveis eleitores?
Até recentemente, a única maneira razoável de responder essas questões era definir uma amostra da população relevante, juntar uma equipe de entrevistadores e sair perguntando às pessoas – uma vez por mês, por quantos meses fossem necessários – se elas conheciam Hugo Chavez, se tinham ouvido falar de Mensalão, ou da seca, ou de Eduardo Campos... Em alguns casos, isso podia custar milhões.
Hoje, para felicidade dos curiosos e infelicidade dos institutos de pesquisa, (quase) as mesmas perguntas podem ser respondidas praticamente sem custo. O mágico da vez chama-se Google Trends. (http://www.google.com/trends/).
INFORMAÇÃO NA INTERNET
O Google Trends é um serviço que mostra quantas vezes uma determinada palavra ou expressão foi buscada na Internet por meio do mecanismo Google, em relação ao total de buscas realizadas num período de tempo, em determinada região. Pelo lado bom, é isto. Uma maravilha. Pelo lado ruim, não é fornecida qualquer informação sobre números absolutos. Como se não bastasse, os números relativos de buscas de um objeto são apresentados de tal forma que só podem ser comparados com eles mesmos, em uma série de tempo.
Explico melhor: uma coisa é saber quantas vezes o objeto “Eduardo Campos” foi buscado no Internet, digamos, em cada um dos doze meses entre março de 2012 e fevereiro de 2013. Isoladamente, isso não significa grande coisa, mas, comparado ao número total de buscas de todos os objetos, tem enorme significação. Esse dado, entretanto, é negado pelo Google Trends aos mortais comuns. Talvez os mortais pagantes possam vê-lo, mas não é para eles que estou escrevendo.
A forma de ocultar a informação sobre a intensidade dos acessos ao nome “Eduardo Campos”, em relação ao total dos acessos, é normalizar a série (todas as séries sofrem tal transformação, independentemente de qual seja seu objeto) atribuindo o índice 100 ao maior dos doze valores encontrados. Neste processo, apagam-se os vestígios de quão frequentes foram as buscas ao objeto em questão, em relação ao total de buscas.
Dou um exemplo numérico. Suponha que o Google tenha sido requisitado a fazer, em março de 2012, um milhão de buscas e que deste total, 100 mil tenham tido “Eduardo Campos” como objeto (estes números são fictícios, claro). Neste caso, teríamos que “Eduardo Campos” alcançou 10% das buscas. Digamos, ainda, que, um ano depois, dos mesmos um milhão de buscas, 200 mil, ou seja, 20%, tinham o nome do governador como objeto. Se os dados fossem divulgados assim, eles nos dariam duas informações valiosas, que poderiam ser manchetes de jornal, em alguma data posterior a 28 de fevereiro de 2013:
(1) “Uma em cada cinco buscas na Internet brasileira é sobre Eduardo Campos”
(2) “Intensidade das buscas na Internet sobre Eduardo dobrou em um ano”
Mas o Google Trends não nos dará esse prazer. Com os dados publicados, apenas a segunda manchete poderia ser produzida. O truque para omitir a primeira informação consiste em normalizar a série de buscas, atribuindo o índice 100 ao maior percentual alcançado em todos os meses e calculando os demais de modo a manter as proporções observadas. No exemplo específico, o índice de Eduardo em março de 2012 seria 50 e o de fevereiro de 2013 seria 100. Curiosamente, se ele tivesse tido mil buscas (e não 100 mil) em março de 2012 e duas mil (e não 200 mil) em fevereiro de 2013, seus índices para os respectivos meses seriam os mesmos 50 e 100.
Por essas razões, as perguntas que o Google Trends é capaz de responder nem sempre são, exatamente, as mesmas que gostaríamos de formular. Queríamos comprovar que Hugo Chavez é popular (não necessariamente querido) porque muita gente pergunta por ele ao Google, mas isso não poderemos fazer. Temos de nos contentar em saber se houve mais perguntas, em termos relativos, depois, ou antes, de sua morte. Queríamos conhecer que proporção das buscas na Internet corresponde à seca no Nordeste, talvez, para compará-la com a intensidade das buscas sobre o Big Brother da TV Globo, mas, com os dados divulgados, não o conseguiremos.
As perguntas que podem ser feitas são aquelas que comparam o valor Google Trends do objeto “x” no período “t” com o valor do mesmo objeto “x” no período “t+y”. Sendo assim, as respostas que obteremos podem não constituir a mais preciosa das informações. Mas, como isso custa apenas poucos minutos de trabalho, vale a pena fazer mesmo essas perguntas de segunda classe ao mágico da vez.
POPULARIDADE DE CHAVEZ
A “popularidade” de Hugo Chavez – número relativo de buscas Google na Internet tendo este nome como objeto – disparou com sua anunciada morte, alcançando o índice máximo (100) no corrente mês de março, mesmo levando em conta que o mês ainda nem terminou. Os dois picos anteriores a 2013 haviam ocorrido em setembro de 2006 e em novembro de 2007. Ambos atingiram o índice 9. Como o Google Trends não me deixa mentir, concluo que o interesse do público em Chávez foi onze vezes maior quando ele morreu do que nos seus melhores momentos enquanto estava vivo.
Se tivesse sabido disso, o folclórico fundador do socialismo do século 21 teria morrido há muito mais tempo, para alívio dos que jamais simpatizaram com ele, entre os quais me incluo.

Também é importante notar – algo permitido pelo Google Trends – que a maior parte das pessoas interessadas em Hugo Chavez mora ou na própria Venezuela ou em países da América Central, Caribe e América do Sul. É o que mostra o gráfico acima. Salta à vista que, dos dez países relacionados, em ordem decrescente (relativa) de buscas, não constam nem o Brasil, nem os Estados Unidos.
Dessa forma, fica evidente que, a despeito de toda a bajulação a Chavez feita pelos governos Lula e Dilma, o público brasileiro deu pouca atenção à sua vida ou morte. Já os internautas dos Estados Unidos, país que a múmia venezuelana elegeu para inimigo, talvez nem saibam quem é ou foi este senhor.
Em compensação, os cubanos que viveram, nos últimos anos, da mesada bolivariana, estavam excitadíssimos com Hugo Chavez vivo e, ainda mais se tornaram, depois que ele morreu.
MENSALÃO E SECA
O Mensalão foi revelado ao público brasileiro numa matéria da Folha de São Paulo em agosto de 2005. Naquele mês, o assunto despertou o interesse máximo (100) dos internautas. Depois disso, o interesse relativo caiu, somente voltando a subir em 2013, com o julgamento da organização criminosa comandada por José Dirceu.
Mudando de uma tristeza para outra, o interesse público na seca nordestina cresceu, nitidamente, a partir de janeiro de 2012 (o valor de 100 foi atingido em maio deste ano), à medida em que a realidade da falta de chuvas foi se tornando inegável e ameaçadora.
Outro aspecto importante revelado pela série do Google Trends é o padrão sazonal das buscas sobre o assunto. Com poucas exceções, maio e setembro são os meses em que a seca atrai maior atenção; janeiro e julho aqueles em que o interesse é menor.
A interpretação dessa recorrência deveria se iniciar pelo reconhecimento de que a maior parte da precipitação anual no semiárido nordestino ocorre nos meses de fevereiro a maio. Em janeiro e julho, portanto, a falta de chuvas é rotineira e não causa espanto ou preocupação. Por outro lado, em maio, se ainda não choveu ou se choveu pouco, o medo se instala, pois as pessoas sabem que terão problemas de abastecimento nos meses seguintes (a cada ano, sempre há uma seca, pelo menos, em algumas partes do Sertão) e seu interesse no assunto atinge um pico. Já em setembro, depois de três ou quatro meses sem chuvas, as reservas de água começam a se esgotar, trazendo a todos o medo da seca.
Tudo bem que constatemos tais coisas, mas também gostaríamos de saber quem atrai mais atenção dos internautas brasileiros se a seca no Nordeste ou o penteado de Neymar. Isso, o Google Trends não informa, mas nós bem que desconfiamos qual seria a resposta, se ele o fizesse.
CANDIDATO A PRESIDENTE
Considerando o período entre 2004 e março de 2013, os meses em que Eduardo Campos ganhou mais atenção dos internautas foram outubro de 2006 (índice = 100) e outubro de 2010 (índice = 85). Não por coincidência, esses foram os meses em que houve eleições para governadores, ambas vencidas, em Pernambuco, por ele.
Observando esta série mais longa, de 2004 a 2013 (em contraste com a apresentada no gráfico mais abaixo, que abarca apenas os últimos doze meses), pode-se notar uma leve tendência crescente na “popularidade” do governador de Pernambuco entre os internautas brasileiros. Isso pode ser atribuído, numa primeira hipótese, à sucessiva divulgação de altos índices de aprovação da administração de Campos, por um lado, e ao desempenho progressivamente melhor da economia de Pernambuco, no mesmo período, por outro.

A parte inferior do gráfico é mais relevante para se investigar a possível correlação positiva entre o progressivo convencimento por parte do público de que ele será um dos candidatos a Presidente em 2014 e a “popularidade” de Eduardo Campos. Com efeito, mostram os dados que a tendência do interesse público em relação ao governador de Pernambuco (tal como medida pelo índice Google Trends) é, nitidamente, crescente, nos últimos doze meses, com dois picos registrados em duas semanas de outubro de 2012 (índice 94, na semana de 7 a 13/10/2012; e 100, na semana de 28/10 a 3/11/2012).
Se isso será suficiente para ganhar a eleição, nem o Google Trends é capaz de responder.
REFERÊNCIAS
Hyunyoung Choi and Hal Varian, “Predicting the Present with Google Trends”, The Economic Record, Vol. 88, Special Issue, June, 2012, 2–9, em http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1475-4932.2012.00809.x/pdf
(Meu interesse no assunto foi despertado pelo artigo de José Carlos Cavalcanti que, por seu turno, inspirou-se no trabalho de Choi e Varian.)

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