terça-feira, 5 de março de 2013

Um mundo cheio de países (Crônicas do Mundo, V)


Gustavo Maia Gomes
As “Crônicas do Mundo” tratam de eventos e processos políticos e econômicos internacionais nos últimos 60 anos. Foram motivadas pela leitura de quatro livros extraordinários: Era dos Extremos, de Hobsbawm; Pós-Guerra, de Judt; A revolução de 1989, de Sebestyen; e Ascensão e Queda do Comunismo, de Brown. Esta quinta Crônica se baseia fortemente no capítulo 2 (seção 2.7) de Gustavo Maia Gomes, Conflito e Conciliação: Políticas de Desenvolvimento Regional no Mundo Contemporâneo. (Veja as referências completas ao final deste texto.)
A África europeia, no início do século XX. 
(A situação não havia se alterado muito 
até o final da Segunda Guerra.)












Houve duas grandes ondas de descolonização, ou criação de países, desde o fim da Segunda Guerra Mundial. A primeira resultou do esfacelamento dos impérios coloniais europeus (francês e britânico, sobretudo; mas também português, belga, italiano...) na África e na Ásia. Isso aconteceu, sobretudo, nas décadas de 1950 e 1960. A segunda foi consequência do fim de outro império, o soviético, entre os anos 1989 e 1991. Juntas, as duas ondas promoveram radical transformação no panorama político mundial. Para se ter uma ideia disso, no ano em que foi criada (1945), a ONU teve um máximo de 51 países-membros; hoje, tem 193.
Descolonização, estilos francês e inglês
Quando comecei a estudar geografia, na escola primária, aí pelos anos 1954 ou 1955, os mapas da África refletiam precisamente quem mandava ali. Quase toda a vastíssima porção Noroeste era ocupada pela África Ocidental Francesa. Um pouco abaixo, na região central, ficava a também extensa África Equatorial Francesa. O lado oriental era domínio, predominantemente, britânico, desde o Sudão Anglo-Egípcio, no Norte, até a Rodésia do Sul.
Havia, ainda, o enorme Congo Belga, no centro, e as colônias portuguesas Angola (na Costa Oeste) e Moçambique (na Costa Leste). O pouco espaço livre que sobrava era preenchido por países que, se já não eram, haviam sido colônias: o Egito arrancara uma “independência condicional” da Grã-Bretanha (1922); a Líbia se tornara independente da Itália em 1941 e da Grã-Bretanha, dez anos depois; a África do Sul deixara de ser colônia inglesa em 1910.
O domínio europeu se refletia na literatura e nas artes. Um dos personagens de livros, quadrinhos e cinema mais marcantes da época – Tarzan – era um branco comandando os negros e os animais que aparecessem. Outros, como Jim das Selvas e O Fantasma também eram brancos e exibiam evidente superioridade sobre os nativos. O paradoxo de Tarzan ter sido criado por uma macaca e, não obstante, falar inglês fluentemente, nunca foi bem esclarecido, mas essa era a menor das dúvidas que o mundo tinha sobre a legitimidade da presença européia na África.
A partir do término da Segunda Guerra, os impérios coloniais da França, Grã-Bretanha e Portugal foram se desmanchando em rápida sucessão. (No caso de Portugal, paradoxalmente, o golpe final ao seu velho império veio com grande atraso.) Na Ásia, o acontecimento mais significativo foi a independência da Índia e do Paquistão (1947), depois de quase quatro séculos de presença britânica no que veio a ser dois países. Em outro evento importante (1953), a França foi expulsa da Indochina (os atuais Vietnam, Laos e Camboja). Na África, em 1956, tornaram-se independentes o Sudão Anglo-Egípcio, Marrocos e Tunísia (os dois últimos, ex-franceses).
A Costa do Ouro (britânica) escolheu chamar-se Gana ao alcançar a independência, em 1957; a República da Guiné libertou-se da França em 1958. Dois anos depois (1960), a França teve de conceder independência a Camarões, Senegal, Togo, Mali, Madagascar, Benin, Niger, Burkina-Faso, Costa do Marfim, Chade, Gabão República Central Africana, Congo-Brazaville e Mauritânia. A Bélgica perdeu sua colônia, que se tornou Congo-Kinshasa; e a Inglaterra teve de conceder independência a Nigéria e Somália.
A lista continua, pelos anos seguintes. As duas principais colônias portuguesas remanescentes, Angola e Moçambique, alcançaram a independência em 1975 e o Zimbábue se libertou da Grã-Bretanha em abril de 1980. A despeito da decadência secular da metrópole e das violentas guerras pela independência dos dois territórios, a ditadura salazarista em Portugal se ateve às suas possessões até ela própria ser derrubada. Em conjunto, Angola, Moçambique e Zimbábue foram os últimos casos expressivos da presença colonial europeia na África.
Grandes esperanças – a maior parte delas frustrada – acompanharam a criação dos países africanos independentes. Como era fácil responsabilizar o colonizador por tudo o que não andava bem naqueles lugares, parecia que a obtenção da independência política seria a porta da felicidade. Infelizmente, não foi. Numa parcela muito grande desses países, a história pós-colonial tem sido pior do que a do tempo em que os europeus estavam presentes. Conflitos entre etnias, ignorância generalizada, socialismos mal assimilados e corrupção dos governantes em escala gigantesca têm, até agora, condenado as antigas colônias a permanecer tão pobres quanto sempre foram. E em guerra contra si mesmos.
Descolonização, estilo soviético
“Tudo que era sólido e estável se desmancha no ar”, escreveram Marx e Engels no Manifesto Comunista (1848). Por ironia, a frase se aplicou como uma luva, quase um século e meio depois, ao império soviético, que sempre buscou nos dois filósofos alemães sua justificação ideológica. Apresentando-se ao mundo (por um tempo, sinceramente; depois, apenas para fins propagandísticos) como a materialização do inevitável futuro político e econômico da humanidade, o regime comunista da URSS parecia sólido e estável, sete décadas após começar a existir. Bastaram dois anos para ele desmanchar.
Contrariamente à Grã-Bretanha, França, Portugal ou Espanha, a URSS nunca se reconheceu, oficialmente, como um império. As “repúblicas” que a compunham se apresentavam como autônomas; os países do Leste europeu, por seu turno, eram nominalmente independentes. Na verdade, para todos os efeitos práticos, uns e outros eram equivalentes a colônias soviéticas, cuja obediência era mantida pela força bruta – ou pela simples ameaça de utilizá-la.
No período entre o início da Segunda Guerra e o ano de 1989, países como a Polônia, Tchecoslováquia, Hungria, Romênia e Bulgária ou estiveram militarmente ocupados ou se sujeitaram ao domínio político de uma potência estrangeira. Durante todo este tempo, portanto, a despeito das aparências, eles não existiam como nações independentes. Sua libertação do domínio soviético, em 1989, tem semelhanças com a criação das nações africanas que haviam sido colônias britânicas, francesas, belgas ou portuguesas.
A Tchecoslováquia foi mais longe, ao se transformar pacificamente em dois países: a República Checa e a Eslováquia (1993), enquanto o oposto aconteceu com a antiga República Democrática da Alemanha, anexada pela República Federal (1990), reunificando o país principal responsável pela eclosão da Segunda Guerra.
Com ainda mais razão do que no caso de países que formavam o bloco soviético, a equiparação a colônias se adequa bem às ex-“repúblicas” soviéticas, as quais, sem exceção, escolheram se tornar países independentes após o colapso do poder central que as mantinha dominadas. O autêntico efeito dominó começou com a declaração de independência da Lituânia, em 1990, quando a União Soviética ainda existia. Seguiram-se, um ano depois, Armênia, Azerbaijão, Belarus, Estônia, Geórgia, Cazaquistão, Kirgstão, Letônia, Lituânia, Moldávia, Tajiquistão, Turcomenistão, Uzbequistão e Ucrânia. A própria Rússia que, de certa forma, havia desaparecido no seio da União Soviética, escolheu renascer com o seu próprio nome (mais precisamente, Federação Russa)
Mas não foram apenas ex-colônias ou ex-“repúblicas” soviéticas que se tornaram países dotados de autonomia política, nos anos finais do século XX: a Iugoslávia (cuja independência em relação à URSS está bem documentada em Brown, cap. 12, págs. 237 e ss) se repartiu em cinco países, entre 1991 e 2006: Bósnia-Herzegovina, Croácia, Macedônia, Sérvia- Montenegro e Eslovênia. Neste mesmo ano, as duas metades da Sérvia-Montenegro resolveram se separar e, em 2008, o território de Kosovo, na Sérvia, proclamou-se independente (mas, sem ter obtido, ainda, reconhecimento internacional irrestrito).
Em terras distantes da Europa central e oriental, a Namíbia obteve sua independência da África do Sul (1990), enquanto, num movimento em direção oposta, os Iêmen do Norte e do Sul se fundiram para formar a República do Iêmen (1990). Entre 1991 e 1994, os Estados Unidos concederam independência a três obscuras colônias (Ilhas Marshall, Micronésia e Palau).
A Eritreia tornou-se independente da Etiópia em 1993, enquanto Timor Leste declarou independência de Portugal em 1975, mas foi anexado pela Indonésia no ano seguinte. Depois de sustentar uma guerra, o novo país foi reconhecido internacionalmente em 2002. Há, ainda, o caso da Somalilândia que, apesar de não reconhecida por nenhum outro país, funciona, na prática, como uma nação autônoma, relativamente mais estável do que a própria Somália, geralmente considerada ingovernável.

REFERÊNCIAS

Eric Hobsbawn. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

Tony Judt. Pós-Guerra: Uma História da Europa desde 1945. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.

Victor Sebestyen. Revolution 1989: The Fall of the Soviet Empire. New York: Pantheon, 2009.

Archie Brown. Ascensão e Queda do Comunismo. Rio de Janeiro: Record, 2010.

Gustavo Maia Gomes, Conflito e Conciliação: Políticas de Desenvolvimento Regional no Mundo Contemporâneo, Fortaleza, BNB, 2011. Disponível em https://docs.google.com/open?id=0B_R9cylq9erzenJManB2dHlIX00

Mapa obtido em http://iesalagon.juntaextremadura.net/web/departamentos/sociales/galerias/mapas_historicos/pages/imperialismo_en_africa_jpg.htm)


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