domingo, 29 de janeiro de 2012

Juízes em causa própria ou "Quando o escândalo é legal, não tem Polícia Federal"


(Nota: este artigo foi escrito em 08/09/2011. As notícias nele reproduzidas são, portanto, antigas. Mas não o contraste entre salários de magistrados e de professores. Este, se mudou, foi para pior.)


Gustavo Maia Gomes*


Quatro notícias
1. “Uma revolta dos ministros do Supremo Tribunal Federal, que culminou em ameaças até de mandado de segurança contra a presidente Dilma Roussef, levou o governo a rever a proposta orçamentária para 2012 e estudar reajuste ao Judiciário.” (Folha de São Paulo, 2/9/11).
2. “Procurador diz que reajuste do Judiciário não parece exorbitante.” [Ele] voltou a defender a concessão de aumento salarial para o Poder Judiciário e o Ministério Público Federal e disse que se trata de “mera recomposição de perdas”. (O Globo, 5/9/11).
3. O ministro do STF Marco Aurélio Mello defende o reajuste salarial do Judiciário em 56% para os servidores e 14,7% para os magistrados, como consta na proposta enviada pelo Planalto ao Congresso Nacional na última sexta-feira (2/9). (Terra Magazine, 6/9/11)
4. “A Associação dos Magistrados Brasileiros vai fazer um ato em defesa do reajuste salarial dos juízes e membros do Ministério Público, no dia 21, em Brasília. A entidade manifestou indignação com o fato de líderes partidários terem afirmado que o aumento para os juízes é inviável”. (Jornal Floripa, 07/09/2011).
Três fatos
1. A remuneração do cargo de juiz federal substituto é de R$ 21.766,16. Constitui requisito que o candidato ao cargo seja bacharel em Direito há três anos, no mínimo. (Edital do XIV Concurso Público; Tribunal Regional Federal, 2011, 1ª Região.)
2. A remuneração para o cargo de professor adjunto, nível I, em regime de trabalho de 40 horas com dedicação exclusiva é de R$ 7.333,67. Constitui requisito que o candidato ao cargo tenha a titulação mínima de doutorado. (Edital de Concursos Públicos n. 6, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2011.)
3. Recomposição por recomposição, os professores universitários terão 4% de reajuste. Ameaçaram greve, mas compreenderam que ela seria inútil, e aceitaram a proposta do governo. (JC Online, 31/8/11).
Dois comentários
1. Em salário, um juiz substituto vale três professores plenos. Devia acontecer o oposto, pois do professor se exige o doutorado, ou seja, mais quatro anos de estudo que o bacharelado. Mas, mesmo se fosse para ganhar igual, a “defasagem” dos professores em relação aos juízes já seria de 197%.
2. O argumento “o concurso de juiz tem 100 candidatos por vaga; ele merece ganhar mais” é infantil. Com a quantidade de bachareis em Direito desempregados que existe hoje, é fácil juntar muitos milhares deles ao simples aceno de salários razoáveis. Além disso, (um exemplo) se a presidente Dilma abrir concurso prometendo pagar R$ 21.766,16 por mês ao ascensorista do Palácio do Planalto, aparecerão dois milhões de candidatos. Mas isso não faria do único aprovado alguma coisa mais do que um ascensorista.
Uma conclusão
Os professores continuarão ganhando não o que valem, mas o que sobra. Quando fazem greve, são ignorados. No outro extremo, juízes e seus correlatos só precisam sugerir entrar com mandado de segurança contra a presidente que as coisas se resolvem rapidinho. Dessa desigualdade, nasce um problema, pois salários baixos afugentam os professores bons; e professores ruins só podem formar juízes ainda piores. Como, por sinal, já deve estar acontecendo.
Mas não se preocupem, nada disso irá mudar. Até porque, quando o escândalo é legal, não há Polícia Federal.

* Gustavo Maia Gomes foi professor da Universidade Federal de Pernambuco (1976-2009)


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