sábado, 10 de outubro de 2015

Vegano, salvo engano

Gustavo Maia Gomes

Conto uma história real. Passou-se em Londres, 1988. À época, eu vivia em Cambridge, também na Inglaterra. Altero os nomes das pessoas, pois não lhes pedi autorização para divulgá-los.
Roberto, um colega da Universidade de Cambridge, me convida a acompanhá-lo a Londres, onde haveria recepção em casa de certo brasileiro, Jáder, que vivia há muitos anos na Inglaterra, trabalhando na Rádio e Televisão BBC. Decido ir.
Chegamos a Londres. Na casa, muitas pessoas estão reunidas, formando diversos grupos. Noto que, naquele onde ficou Roberto, há uma jovem mulher de aspecto, digamos, não convencional. Vim a saber que era filha do dono da casa.
Passa o tempo, os grupos se desfazem, outros se formam, e eis-me conversando com a mesma jovem mulher. Era vegana, embora a palavra nem existisse, ainda. Aconteceu o seguinte diálogo, no qual a primeira pergunta foi dela.
— Você teria coragem de fisgar um peixe e comê-lo?
— Não apenas "teria coragem", como já o fiz varias vezes.
— É uma traição. Você usa de astúcia. Coitado do peixe.
— Sim, mas o que a senhora come?
— Urtiga e trigo. Nada mais do que essas duas coisas.
— Trigo, vá lá, mas "urtiga"? Aquilo arde pra diabo.
— Eu a cozinho, antes.
— Mas, a urtiga levou milhões de anos para desenvolver um sistema de defesa: não me coma, que eu ardo. Aí vem você e destrói todo aquele trabalho, cozinhando-a? Não seria astúcia?
— Nunca tinha pensado nisso.
Na volta para Cambridge, contei o episódio a Roberto, que me revelou o teor de sua própria conversa com a mesma mulher:
— Eu a convenci de que comer trigo dá câncer.

(Publicado no Facebook em 7 de outubro de 2015)

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