quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Macondo em Branquinha

Depois de 40 anos, volto a ler "Cem Anos de Solidão", de Gabriel Garcia Marquez. Aprecio-o sem moderação, tanto quanto na primeira leitura. Lembrei-me dele porque o livro que estou escrevendo também tem como personagens os membros de uma família. No meu caso, para ser exato, de várias, que se entrelaçam num enredo de dois séculos.

"O Trem para Branquinha" não passa em Macondo e as histórias que conta, ao contrário das de "Cem Anos", são reais. Seus personagens, portanto, carecem da mesma liberdade de agir que os Josés Arcádios e Aurelianos Buendía inventados por Garcia Marquez tiveram. Mesmo assim, alguns deles viveram vidas bem se poderia dizer literárias, quase de realismo fantástico

Alguns casos, já contei. Como o de Henri Quanz, fabricante de cerveja, que brigou em francês com o sócio alemão num jornal brasileiro, o Diário de Pernambuco. E o do primeiro Manoel Sebastião de Araújo Pedrosa, que parou de falar para sempre em seguida a ser chamado publicamente de ladrão. Aconteceu em Santa Rita, Paraíba. (Imagine se seu exemplo fosse seguido hoje. Brasília ia ser a capital mundial dos mudos.)

Outros casos, conto agora. A esposa de Manoel Sebastião, Maria Margarida Kuhn, fazia doces e usava crinolinas e anquinhas por baixo das roupas visíveis. Ela era do tempo em que as mulheres pegavam fogo, pois aqueles vestidos armados altamente inflamáveis só podiam ser retirados do corpo com muito trabalho de duas amas. Nem sempre dava tempo de evitar as mortes e queimaduras inerentes à alta costura.

José Gomes de Freitas brigou tão feio com a família que trocou de sobrenomes no cartório (e fez o mesmo com os filhos menores), passando a se assinar Damara. Isso, antes de morrer assassinado com 31 facadas, na frente da igreja de União dos Palmares, Alagoas. Tinha acabado de assistir à missa dominical. Mataram-no dois irmãos que Damara havia expulso de sua terra. (Deixo o "sua" com a dubiedade que lhe é inevitável e, no contexto, adequada.)

Mário Pedrosa nasceu em Timbaúba, Pernambuco, mas morou quase no mundo todo: Lausanne, Paris, Nova York, Rio de Janeiro... Comunista militante e internacional, brigou, primeiro, com Stálin e, depois, com Trotski. Ainda teve tempo de ser um dos fundadores do famigerado Partido dos Trabalhadores. Morreu logo depois, sem saber que tinha errado pela terceira vez.

Em Maceió, Álvaro Batinga era advogado nas horas de trabalho e amante de mulheres mil no restante do tempo. Ainda jovem, seduziu uma mulher casada. O corno soube e partiu para a desforra. Armado. Dirigiu-se ao cartório aonde o Dom Juan ia todos os dias. Entrou perguntando quem era o Dr. Batinga. — Aquele ali, de costas — foi informado. O homem avançou três passos e disparou seis vezes. Matou o irmão do desafeto, Claudio, estudante que tinha nada a ver com o caso.

Álvaro Batinga da Rocha Cavalcante viveu mais meio século. Cinquenta anos de solidão?

(Publicado no Facebook em 12/1/2017.)

Nenhum comentário:

Postar um comentário