segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Graciliano e Josefa; Nominando e Marieta




Segundo as difusas lembranças de Ivan Pedrosa de Maia Gomes, neto de Nominando, essa poderia ter sido a casa em que seu avô residiu, em, pelo menos, um período, nos anos quarenta ou cinquenta do século passado, em São José da Laje (AL) A fotografia é de Ivan e foi tirada em 2016.

Gustavo Maia Gomes

Ao saber como se chamava meu avô paterno, uma pessoa amiga, cunhada da segunda safra, exclamou: “Não é um nome; é um gerúndio!” –- Pois, sim. Nominando Maia Gomes (1887-1966) havia sido promotor público e juiz, mas, quando o conheci, passava o dia em casa. Uma vez, eu ainda garoto, minha mãe quis saber de meus projetos de vida. Respondi-lhe que queria ser como ele: trabalhar aposentado. (E não é o que faço, hoje?)

Nominando era filho de Manoel Gomes dos Santos (1841-1925) -– coronel bom de briga –- e de Teresa de Jesus Maia (c.1851-c.1930). Formou-se, em 1911, pela Faculdade de Direito do Recife, com a primeira turma a terminar o curso após a conclusão do novo (e belíssimo) prédio ainda hoje em uso. Foi colega de celebridades futuras, como Francisco Pontes de Miranda, F. Pessoa de Queiroz e Francisco Barreto Campello. Casou-se, em ano próximo a 1915, com Josefa Costa Bahia (1890-1954), filha de Ernestina de Azevedo Cruz (c.1870-1906) e Francisco da Costa Bahia (1867-1921). Esse último, pernambucano de nascimento (Bom Conselho), mudou-se para Alagoas e ali se tornou um rico comerciante, em cidades como Pilar, Atalaia e Viçosa. Nominando e Josefa tiveram apenas um filho, Mauro Bahia de Maia Gomes (1916-97), meu pai.[i] 

Em Viçosa, aonde foram residir com os filhos, em 1903, Francisco da Costa Bahia e Ernestina de Azevedo Cruz se tornaram amigos da família de Graciliano Ramos (1892-1953). Nem os Bahia, nem os Ramos, contudo, eram dali. Os pais do escritor casaram-se em Palmeira dos Índios (AL, 1891), mudaram-se para Quebrângulo (AL, 1892), onde nasceu Graciliano, depois para Buíque (PE, 1895), e apenas em 1899 chegaram a Viçosa, quatro anos antes de Francisco Bahia, sua mulher e filhos.

Na pequena cidade alagoana, Josefa e Graciliano, que eram quase da mesma idade, devem ter convivido bastante, enquanto crianças e adolescentes. A julgar por uma carta a Graciliano escrita por meu pai, em ano próximo a 1939, a amizade entre as duas famílias se prolongou até depois de os Ramos terem saído de Viçosa (1905) e Josefa Bahia ter se casado (c.1915) e ido morar na Fazenda Monte Verde, em Branquinha, Alagoas. Francisco Bahia, pai de Josefa, sogro de Nominando, permaneceu residindo em Viçosa até se suicidar, em 1921, aparentemente, pressionado por dívidas comerciais que ele sabia impagáveis. Matou-se -- detalhe cruel -- em frente ao túmulo da primeira mulher, Ernestina, embora estivesse casado há quinze anos com a segunda, Alice Soares.[ii] 

Um dia, já viúvo, de passagem por minha casa (1962? 1963? Eu, adolescente, ainda morava com meus pais), meu avô pediu-me que o ensinasse a operar a radiola (aparelho reprodutor de sons gravados em discos; só o Google ainda lembra o que era isso). Iria receber uma visita feminina. A música deve ter sido boa (lembro-me de que gostava de operetas e, na veia mais popular e romântica, da guarânia “Recuerdos de Ypacaraí” -– com o Trio Yrakitan, devia ser), pois ele casou-se com a Tereza visitante alguns meses passados do episódio. Antes dela – e depois, também –, desde quando Josefa (que detestava seu nome e só queria ser chamada de Maninha), ainda vivia, houve Marieta Cassella (1892-1988), de São José da Laje (AL), cidade próxima a Branquinha, onde Nominando fora juiz. Não sei se os dois foram namorados; amigos muito próximos, sim. Amantes platônicos, talvez.

Marieta teve vida própria destacada -– na política e na assistência social -–, sendo reconhecida como uma benfeitora da pequena cidade onde nasceu e viveu quase toda a vida. Havia uma evidente simpatia entre meu avô e ela. Quando Nominando enviuvou, em 1954, Marieta ainda devia ser casada, mas seu marido, o Cassellinha, tinha tido algum problema que o deixara imobilizado. (Não sei quando isso aconteceu; em 1953, o casal Cassella visitou Monte Verde. Ele não devia estar inválido, ainda.) Meu avô não esperou que ele morresse: casou-se com Tereza, por volta de 1963.

Alguns anos à frente, aí, sim, com certeza, já viúva, Marieta, praticamente, transferiu-se para a casa de Nominando e Tereza, que a acolheram muito bem à Rua João Pessoa (antiga Rua do Sol) no 99, na região central de Maceió, lugar que muito frequentei nos anos 1960. A amiga administrava os remédios do velho Nominando, o que mantinha os dois o dia todo ocupados. Eu conheci apenas essa Marieta de pendores domésticos e preocupações farmacêuticas que, na casa de meu avô, parecia uma mulher, em tudo, igual às outras. Tive uma grata surpresa quando soube que, por trás daquela figura comum, havia uma personalidade feminina à frente de seu tempo. 

"Marieta Bezerra Cassella, filha do Major Olympio Bezerra e chefe política de São José da Laje da Laje (...), foi a líder feminista que ingressou no quadro partidário da extinta UDN, União Democrática Nacional, para, nos anos 1950 (sic), junto ao então candidato ao Senado da República Arnon de Mello, colocar sua terra e sua gente nos caminhos da prosperidade. Arregaçou as mangas e empreendeu campanhas vitoriosas, contribuindo diretamente para a vitória do amigo Arnon. Com seu prestígio, Marieta conseguiu eleger o médico Mário Guimarães prefeito dos lajenses."[iii] 

Arnon Afonso de Farias Mello, pai do ex-presidente Fernando Collor de Mello, já tinha sido governador de Alagoas quando se candidatou a senador (e foi eleito), em 1962. Um ano depois, em plena sessão do Senado, tentou acertar com um tiro de revólver seu arqui-inimigo político Silvestre Péricles. De valentia inversamente proporcional à sua habilidade com a arma, terminou matando o colega José Kairala, do Acre, que nada tinha a ver com aquela briga alagoana. Mas, voltando a Marieta: 

"A sua residência era o reduto maior dos udenistas. Não havia nem dia nem hora para se traçar planos de trabalho voltados para o crescimento da sigla partidária na região da Mata alagoana. Era amiga fiel do senador e jornalista Arnon de Mello e de sua esposa Leda Collor de Mello, a quem recorria sempre para ajudá-la nas campanhas caritativas. No campo social, (...) liderava um grupo de senhoras (...) para trabalhar pelas famílias pobres de Laje. Foi presidente da LBA e, ainda, dirigiu a Escola Reunida de Corte e Costura e a Escola Educacional Joana D’Arc locais."[iv] 

Em reconhecimento pelos serviços prestados por Marieta Cassella à sua cidade, a Câmara Municipal de São José da Laje criou (e lhe concedeu, em data que não pude determinar) a Comenda de São José. Daí o seu título, evocado por Mauro Sélvio, de “Comendadora”. Marieta sobreviveu 22 anos ao seu amigo, talvez, grande amor sublimado, Nominando Maia Gomes. Ele morreu em 1966; ela, em 17 de janeiro de 1988.





[i] Em Os Bahia de Almeida (Maceió, Venha Ver Editora de Comunicação, 2015), Sérgio de Almeida Nobre identifica o quinto filho de Francisco da Costa Bahia e Ernestina de Azevedo Cruz como Josefa de Azevedo Bahia. O site Family Search, entretanto (mais confiável, pois sua fonte é a respectiva certidão de nascimento) informa que o nome da minha futura avó paterna era Josefa Costa Bahia, filha do casal já mencionado acima, nascida em Nossa Senhora do Pilar, Alagoas, em 22/6/1890. Seus irmãos e irmãs (segundo Sérgio de Almeida Nobre) foram (no primeiro casamento de Francisco) Olavo, José, Francisco, Maria e Aládia, a "Tia Mocinha", que meu pai sempre visitava em sua casa próxima à Praça Sinimbu, em Maceió. No segundo casamento, Helena, Laura, Maria José, Olga, Luiz e Francisca.

[ii] As informações sobre as andanças dos pais de Graciliano Ramos estão em http://graciliano.com.br/site/vida/linha-do-tempo/ (acesso em 16/1/2017). A amizade entre as famílias Ramos e Bahia é mencionada na carta de Mauro Bahia de Maia Gomes ao escritor alagoano (sem data, mas, pelo contexto, deduzo que foi escrita em ano próximo a 1939), conservada no arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo. Tenho uma cópia dessa carta, fotografada por Ivan Pedrosa de Maia Gomes no próprio Instituto da USP. O trágico fim de Francisco da Costa Bahia foi registrado nos jornais da época e está descrito em Sérgio de Almeida Nobre, Os Bahia de Almeida, citado.

[iii] Mauro Sélvio. Lembrando a Comendadora. In MS Repórter Social, http://msrepsocial.blogspot.com.br/2008/02/lembrando-comendadora.html (15/2/2008)


[iv] Mauro Sélvio, citado.

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