sexta-feira, 31 de março de 2017

31 DE MARÇO DE 1964 (Reflexões breves sobre um dia longo)

Gustavo Maia Gomes


Quando terminei de ler a excelente biografia de Getúlio Vargas escrita por Lira Neto (São Paulo, Companhia das Letras), estava marcado por inúmeras revelações importantes. Juntando-as ao que já tinha aprendido antes, conclui que, em todos os momentos, de 1889 a 1964, algum golpe de Estado estava sempre sendo preparado para derrubar o governo. Sem surpresa: afinal, a própria República começara com a tomada do poder por uns poucos militares e seus cavalos e nunca descobrimos se um dos dois sabia o que estava fazendo.

Não poderia ter sido diferente com o governo João Goulart (1961-64). Herdeiro de Getúlio Vargas, mas desprovido da inteligência e carisma deste, Jango foi quase uma avant-première de Dilma Rousseff, ou seja, um absoluto desastre político, econômico e administrativo. Desde que assumiu, com poderes limitados (um veto militar à sua posse na Presidência, como sucessor do renunciante Jânio Quadros, levou à instauração do parlamentarismo), tratou de piorar a própria situação (e a nossa!).

Quando o país precisava de uma boa política econômica, ele entregou a demagogia populista. Jogou todas as fichas na defesa de “reformas de base”, que nada mais eram do que ameaças à produção. Virou marionete das centrais sindicais e sindicatos controlados por pelegos, cuja única aspiração era chupar mais dinheiro público para eles mesmos. Nos estertores de seu governo, Jango, como se estivesse convidando os militares a depô-lo, apoiou ou foi conivente até mesmo com um motim de marinheiros.

Não há dúvida de que João Goulart foi um desastre. Sua inépcia estava, sim, ampliando as probabilidades de tomada violenta do poder pela esquerda (à época, quase toda, comunista), o que teria levado o país a uma ditadura ainda mais violenta e longeva do que aquela de direita, porém, reformista que viríamos a ter. (Basta pensar em Cuba, na América Latina, ou em qualquer país comunista, no mundo.)

Justificaria isso a intervenção militar violenta que tivemos em 31 de março e 10 de abril de 1964? Na época, achei (e ainda acho) que não. Mas, é fácil fazer previsões sobre o passado. Difícil é tomar decisões sob a incerteza do que virá, se nada for feito agora. O regime militar que se implantou há 53 anos e que iria durar outros 21, sem dúvida, trouxe benefícios ao país. O esforço de racionalização da política econômica, entre 1965 e 1967, com Roberto Campos e Otávio Bulhões no comando, poderia ser citado: ele nos livrou de uma hiperinflação que já parecia inevitável, muito antes de abril de 1964.

Houve avanços em outras áreas. Os padrões de moralidade no trato da coisa pública – salvo prova em contrário que, até hoje, não apareceu – foram melhorados. Basta ver que nenhum alto dirigente do regime militar ficou rico, como já era comum à época – basta citar o caso do “rouba, mas faz” Ademar de Barros, por duas vezes governador de São Paulo. O avassalador crescimento do poder dos sindicatos, que só poderia levar ao descalabro econômico e à instabilidade política, foi detido, por um tempo. (Seria restabelecido, mais adiante, na era petista, com os resultados que estamos vendo.)

Mas o golpe trouxe, também, altíssimos custos, devidos à interrupção do processo democrático (iríamos ter eleições em 1965!) e ao excesso de poder conferido a militares, muitos deles, imbecilizados pela doutrina que opunha de forma maniqueísta, os “bons”, liderados pelos Estados Unidos, aos “maus”, seguidores da União Soviética. Doutrina que justificou apreensões, em operações policiais, até mesmo de discos que continham a música “Noites de Moscou”, e que transformou o debate político em caso de polícia, favorecendo o aparecimento da reação armada (e desastrosa) ao governo.


Devia haver mesmo algo muito errado com aquele regime que deu espaço para uma reles terrorista e assaltante de bancos, como a nossa ex-presidente, querer, até hoje, se passar por heroína. Em retrospecto, acho que teria sido muito melhor se não tivesse havido o golpe militar (desde que, tampouco, tivesse havido uma tomada de poder pela esquerda comunista), mas isso, reconheço, é uma coisa mais fácil de dizer hoje do que no calor dos acontecimentos daquele longo 31 de março de 1964.

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