quarta-feira, 22 de março de 2017

O fascínio carioca, do Império aos anos 1950

Gustavo Maia Gomes

Na foto, de cima para baixo, da esquerda para a direita: Murilo Mendes, Manuel Bandeira, Dinah Silveira de Queiroz, Emil Farhat, José Lins do Rego, Leda Maria de Albuquerque, Graciliano Ramos, Lúcio Cardoso, Nelson Rodrigues, Antônio Accioly Netto, Millor Fernandes e Rachel de Queiroz.


Dos tempos do Império até, pelo menos, 1960 (quando Brasília foi inaugurada), o Rio de Janeiro atraiu gente de todo o Brasil. Nas minhas pesquisas sobre os familiares que viveram antes de mim, identifiquei muitos casos de homens (e mulheres -- poucas, apenas quando casavam e tinham de acompanhar o marido --) que saíram de Pernambuco e de Alagoas para irem morar, por um tempo, ou pelo resto da vida, na antiga capital federal.

O fascínio exercido pelo Rio de Janeiro sobre alagoanos, pernambucanos, paraibanos, mas também baianos, mineiros, paraenses... tinha várias explicações. (Não estou incluindo o caso de nordestinos muito pobres tangidos pelas secas.) O Rio foi, durante décadas, a maior cidade do país, em população e importância econômica. Culturalmente, nem se fala. Como Corte, até 1889, ou Capital Federal, até 1960, abrigava boa parte da burocracia estatal do Brasil. Sediava a Câmara de Deputados e o Senado. Tinha os melhores jornais do país. O maior número de teatros. A mais intensa programação de espetáculos. As mais requintadas confeitarias. Faculdades de Direito, de Medicina, escolas de Engenharia. Oportunidades infinitas para boêmios em potencial.

Enfim, morar no Rio era a glória. Os paraenses ricos, por exemplo, conta minha mulher, Lourdes Barbosa, nas épocas de fausto da borracha ou do dinheiro fácil da antiga Sudam, tinham, todos, seus apartamentos naquela cidade. Se não passavam ali o ano todo, muitos dos filhos o faziam, enquanto cursavam faculdades ou, simplesmente, bebiam uísque nos bares cariocas. Para lá iam, de todos os estados, os deputados e senadores com suas famílias -- não era incomum que jamais retornassem à sua terra natal; os funcionários públicos que conseguiam uma “colocação” vantajosa, geralmente, graças a um bom “pistolão” (hoje diríamos: uma boa indicação política). Também iam bacharéis que sabiam escrever e se dispunham a ganhar a vida como jornalistas. Enfim, o Rio representou, para os brasileiros de outras paragens, o que Paris foi, em diversos momentos, no mundo ocidental: um polo magnético.

Hoje não é mais assim. Que pena.

UM ALAGOANO NA IMPRENSA DO RIO (1945)

Luís Alípio Gomes de Barros (ainda não sei as datas de seu nascimento e morte) foi um desses casos de gente do Norte e do Nordeste atraída para o Rio de Janeiro. Era filho de Laurentino Gomes de Barros (1881-1958) e de Amália Maia Gomes (?-?); sobrinho de meu avô Nominando Maia Gomes (1887-1966) e tio de Humberto Gomes de Barros (1938-2012), sobre quem falei aqui, recentemente.

Desconheço a razão específica que levou Luís Alípio para o Rio de Janeiro. Sei, entretanto, que ali ele fez carreira como jornalista e escritor. Crítico de artes, especialmente, de cinema, manteve durante anos na revista O Cruzeiro a seção “No mundo dos livros”. Foi onde, em novembro de 1945, ele teve a ideia de perguntar a doze escritores já famosos o que eles achavam daqueles livros ainda hoje chamados best-sellers, os que vendem muito, mas nem sempre têm boa qualidade literária.

Foram entrevistados os poetas Murilo Mendes (1901-75), nascido em Juiz de Fora, MG; Manuel Bandeira (1886-1968), nascido no Recife, PE; os romancistas José Lins do Rego (1901-57), Pilar, PB; Antônio Accioly Netto, sobre quem não pude reunir mais informações; Dinah Silveira de Queiroz (1911-82), de São Paulo; Graciliano Ramos (1892-1953), de Quebrângulo, AL; Lúcio Cardoso (1912-68), de Curvelo, MG, e Rachel de Queiroz (1910-2003), nascida em Fortaleza, CE. Também foram ouvidos a autora de um livro de contos Leda Maria de Albuquerque (?-?), nascida no Rio de Janeiro; Millor Fernandes (1923-2012), humorista, também carioca; Emil Farhat, ensaísta, libanês, nascido em 1914, e Nelson Rodrigues (1912-80), jornalista e teatrólogo, pernambucano do Recife.

Uma síntese das respostas está dada mais adiante. Neste ponto, quero enfatizar o seguinte: dos onze intelectuais de destaque entrevistados pelo alagoano Luís Alípio Gomes de Barros cujo local de nascimento pude identificar, somente dois eram cariocas. Os demais se distribuíam, em suas origens, por Minas Gerais (2), Pernambuco (2), Paraíba, São Paulo, Alagoas, Ceará e – no caso de Farhat, o Líbano.

O Rio era, de fato, a Paris brasileira na primeira metade do século XX.

SOBRE OS BEST-SELLERS

Mas, o que disseram os doze homens e mulheres sobre os best-sellers? Copio da matéria assinada por Luís Alípio de Barros (ele não usava o Gomes profissionalmente):

Murilo Mendes, poeta: “Sem dúvida, o best-seller está muitas vezes fora da literatura. Mas, se acabássemos com ele, muitos espíritos ficariam sem alimento”. Manuel Bandeira, poeta: “Pessoalmente, não sou um leitor de best-sellers. Mas acho que eles têm uma função muito útil que é a de habituar o grande público à leitura, fazendo-o depois procurar leitura mais substancial”

José Lins do Rego, “o romancista do Ciclo da cana-de-açúcar”: “O best-seller é um divertimento, uma pantomima. Um subproduto do romance”. Leda Maria de Albuquerque, contista de “A semana de Miss Smith”: “Embora nunca leia best-sellers, e acredite que a maioria está longe de corresponder à fama que têm, eu os considero muito úteis, pois conseguem interessar a um grande número de pessoas que um livro mais discreto não seria capaz de interessar”.

Nelson Rodrigues, autor de “Vestido de noiva” [peça teatral]: “Se há uma eternidade assegurada, é a do best-seller. A grande literatura pode acabar por muitos motivos, inclusive uma crise definitiva de leitores. O best-seller não. Existiu sempre e existirá até a chamada consumação dos séculos”. Antônio Accioly Netto, romancista de “A Salomé de olhos verdes”. “o best-seller, entre outras utilidades, tem uma, importantíssima – abre caminho, difunde o gosto pela leitura.A| preferência pela qualidade virá depois. Ninguém pode começar pelo fim”.

Dinah Silveira de Queiroz, autora do romance “Floradas na serra” e do livro de contos “A sereia verde”: “Cervantes, Dickens e Balzac, se vivessem hoje, poderiam nos dar best-sellers. Não simpatizo com a ideia de o escritor servir apenas a um mandarinato intelectual”. Emil Farhat: “Certos bons escritores têm prevenção contra best-sellers. Mas trata-se do uma opinião ‘torre de marfim’. Com isso eles insinuam que o livro de que o povo gosta não é coisa digna de ser considerada criação literária”.

Graciliano Ramos, romancista de “Angústia”, “São Bernardo” e “Vidas Secas” e que agora acaba de publicar “Infância”: “Não tenho tempo de ler essas coisas. Best-seller quase sempre é uma coisa fora da literatura”. Lúcio Cardoso, romancista: “Atualmente, o best-seller é um movimento útil, se bem que injustificado. Sabemos por seu intermédio que há romances capazes de apaixonarem eminentemente o público, e são maus romances”.

Millor Fernandes “que figura entre os melhores contistas da nova geração”: “O fato de ser o mais vendido nada significa. O público erra muito, mas também acerta. De forma que o best-seller tanto é a Bíblia quanto E o vento levou”. Rachel de Queiroz, “a romancista de ‘Quinze’ “Best-sellers? Dou graças a Deus quando não me dão para traduzi-los”. (Fonte O Cruzeiro, RJ, 17/11/1945, págs. 72-73.)

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