segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

A pedra

Gustavo Maia Gomes
(16/11/2017)

– É impossível – disse o ministro de qualquer coisa, após ouvir o presidente expor sua ideia. – Mover o Pão de Açúcar dois metros para o Norte? Impossível.
Foi demitido ali mesmo e obrigado a se retirar. A reunião continuou.
– Uma obra como nenhuma outra, desde a muralha da China ou as pirâmides do Egito. Será a glória. Não a Marina da Glória; a glória! E tem custo incalculável. Ninguém vai poder dizer que houve superfaturamento – justificou o chefe.
Um sussurro geral de concordância se ouviu na sala.
– Sabe quantos estádios poderemos construir para a Copa, no país todo, dizendo terem sido ordens da Fifa? No máximo, doze. E viadutos, elevados, avenidas...? Dez, vinte, trinta? Junte tudo isso e não chega à metade do que gastaremos para mover o Pão de Açúcar.
– Mas, Excelência, como vamos justificar a obra? – arriscou-se a perguntar um ministro remanescente.
– Ainda nem pensei nisso. É problema do marqueteiro. Deve dizer que ela beneficia o povo humilde, sempre esquecido pelos governos da elite.
Outro ministro, desapegado ao cargo, resolveu bater na mesma tecla do que fora demitido meia hora antes:
– Mover uma pedra daquele tamanho não deve ser tarefa fácil, nem para os melhores engenheiros.
Ao invés de trucidar o segundo Tomé, o presidente explicou.
– Não vamos mover Pão de Açúcar nenhum. Vamos fazer o povo acreditar que o deslocamos dois metros para a esquerda. Isso basta. As empreiteiras adorarão. Nós ficaremos mais ricos.
Desta vez, a reação dos outros ministros foi de perplexidade. Como assim? Como assim? O chefe prosseguiu:
– Começaremos construindo um grande tapume em volta da pedra, deixando espaço suficiente para estacionar, dentro do cercado, cinquenta caminhões. Toda madrugada, esses caminhões, carregados de detritos, serão discretamente levados para o local da obra. Durante o dia, com cobertura da imprensa, sairão dali, um a cada quinze minutos. Toda gente vai pensar que uma grande obra está sendo feita no local.
O ministro descrente, porém, àquela altura, seguro de que não perderia o cargo, levantou outra dúvida:
– Mas, o povo verá que a montanha não se moveu coisa nenhuma.
– Engano seu – continuou o presidente. – Uma vez por semana, o tapume será movido dez centímetros para a direita. Antes de seis meses, a viagem da pedra se terá completado. Publicaremos as fotos do tapume com a montanha por trás, antes e depois, mostrando que o Pão de Açúcar andou mesmo.

Era um plano perfeito. Desconheço por que não vingou. Ao invés, construíram-se os doze estádios, viadutos, avenidas. De qualquer modo, a ideia foi a mesma. Os resultados, também.

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