Gustavo Maia Gomes
(9/11/2017)
Samuel Benchimol (1923-2002) foi um
empresário, economista, professor emérito da Universidade Federal do Amazonas e
escritor. Nasceu e morreu em Manaus, embora também tenha morado, quando
criança, em seringais no interior do Acre e do território federal de Guaporé
(hoje, Rondônia) – e em Belém.
Escreveu muitos livros. O que estou
lendo (“Amazônia: Um pouco-antes e além-depois”, Manaus, 1977) tem um subtítulo
estranho, mas, entre outras coisas, traz relatos preciosos sobre a participação
dos nordestinos na chamada Batalha da Borracha, durante a Guerra Mundial de
1939-45.
A segunda "Transumância
Amazônica"
Essa história é conhecida: para
atender as necessidades bélicas e comerciais dos EUA (que já não podiam mais
ser supridos de borracha pela Malásia, em face da ocupação japonesa), Getúlio
Vargas promoveu, em 1942, em acordo com Franklin Roosevelt, presidente dos
Estados Unidos, a reativação dos seringais da Amazônia.
Dava-se como certo que a mão de obra
necessária para aumentar a produção sairia, em grande parte, do Nordeste, então
sofrendo uma de suas habituais secas. De fato, subsidiados pelo governo brasileiro
(mas com aporte financeiro de empresas americanas), os nordestinos viajaram em
grande número, desembarcando nos portos do Norte.
Entre 1941 e 1945, teriam entrado em
Manaus cerca de 75.000 pessoas vindas de outros Estados, predominantemente, os
do Nordeste. (Benchimol, págs. 249-250.) Era a segunda "Transumância
Amazônica". A primeira, de que Celso Furtado se ocupa no Cap. 23 da
"Formação Econômica do Brasil", teria levado para aquela região,
apenas no último quartel do século XIX, cerca de 260 mil nordestinos.
Dos portos, durante a Batalha da
Borracha, os imigrantes eram encaminhados a uma “hospedaria”, onde permaneciam
alojados, enquanto negociavam a alocação em algum seringal. Muitos, entretanto,
preferiram ficar nas cidades.
Foi no porto de Manaus que Benchimol
entrevistou dezenas de recém-chegados. Ele manteve detalhados registros dessas
conversas que, mais tarde, iriam subsidiar alguns de seus trabalhos acadêmicos.
E divulgou suas anotações completas no livro a que fiz referência. Das muitas
histórias que conta, selecionei o curioso episódio de uma disputa sobre peixes.
Ela está na página 262 do livro citado.
Quem tem mais peixes?
Francisco Silvério vinha de Mossoró
(RN), informa o autor de "Amazônia". “Conhece alguma coisa de gado.
(...) Diz-se, também, notável pescador. Gabou-se um bocado de suas qualidades e
das riquezas inigualáveis que sua terra possui em peixe”. Ouvindo isso,
Benchimol resolveu desafiar o imigrante: “Entrei numa discussão com ele dizendo
que o Amazonas era muito mais rico nisso e que ele não poderia competir
conosco”.
O homem aceitou o desafio: “propôs-me
logo que fizéssemos uma prova para ver quem saía ganhando no fim. Cada vez que
ele dissesse um peixe do mar eu diria um que eu conhecesse do Amazonas”. O
embate começou com Silvério dando os nomes dos peixes de sua terra e Benchimol
respondendo em seguida:
– Cavala / Jaraqui; – Camurupim. /
Tambaqui; – Carabaiana / Pirarucu; – Cioba / Matrinchão; – Enchova/ Acará.
Neste ponto, o futuro professor
reconheceu que estava se “enrascando, pois os nomes não me vinham no momento,
ao passo que ele sabia na ponta da língua". Benchimol continua:
"Vendo [Silvério] essa superioridade, desfiou logo uma lista: cação de
escama, xaréu, jarabebeu, garacimbora, garajuba, crumai, cirigado, ferrero,
parum, dentão, pitambu, sargo, sanhoá, vacora, pampo, bicudo...”
Benchimol continua: “Eu estaria
desmoralizado e teria perdido a aposta, quando um rapaz que estava ao meu lado
socorreu-me; desenfiou também uma numerosa lista de peixes regionais: sardinha,
pescada, tainha, curimatã, cascudo, matrinchão, pacu, dourado, pirapitinga,
surubim, tamatuá, tucunaré, acaru, acará, jatuarana, peixe-agulha...”
O rapaz que salvou a situação do
entrevistador estava entre os imigrantes nordestinos, mas era natural de
Javari, Amazonas. Tinha ido para o Ceará, não se acostumara ao local e agora
voltava, aproveitando a passagem grátis dada pelo governo. Justificou assim a
intervenção:
– Fui em seu auxílio, porque não
podia ver a minha terra perder com tanta riqueza.
Na verdade, “a Amazônia reúne cerca
de 3.000 espécies de peixes, mas (...) algumas são pouco aproveitadas, por
excesso de espinhas, baixa proporção de carne, dificuldade de pesca ou até por
falta de hábito da população”. (Site da UOL.)
(Com exceção dessa
última, todas as citações foram tiradas de Samuel Benchimol, “Amazônia”. )
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