quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Morrendo de morte matada

Gustavo Maia Gomes

Sabe quantos assassinatos já houve em Pernambuco neste ano? Mais de cinco mil. Em 1932, foi zero. Zerinho da Silva. Zerinho da Silva Xavier. Zerinho da Silva Xavier de Orleans e Bragança. O primeiro número está nos jornais; o segundo, no Anuário Estatístico de 1935-36.
1932 foi atípico, tá bom: aconteceram 59 homicídios em 1933; 26 no ano seguinte; 53, em 1935; 32, em 1936. Combinando as informações, o número médio anual de assassinatos em Pernambuco, em 1932-36, foi 34. Trinta e quatro. Dá dois dias e meio, na velocidade de 2017. Guenta aí, já explico.
Sim, a população era muito menor: nos 1930, o Estado tinha 2,5 milhões de habitantes; hoje, são 8,8 milhões. Não resolve. Em 1932-36, houve 0,0136 assassinatos por cada mil habitantes; em 2017, o número é 0,5682. Quarenta e duas vezes maior.
Se a intensidade da violência em Pernambuco tivesse sido, em 1932-36, a mesma dos dias atuais, teria havido 1.420 assassinatos em cada um daqueles anos. Não 34. Inversamente, se fôssemos, hoje, tão pouco violentos quanto éramos nos anos 1930, o número de homicídios no Estado, em 2017, teria sido 120, não cinco mil.
Pernambuco à parte, o panorama do país não difere muito desse. Causas? Em minha opinião:
(i) o afrouxamento dos freios morais típicos da sociedade rural – patriarcal, coronelista, sim; formada por pequenas comunidades quase independentes umas das outras, também –, que não resistiram, os laços, à vida nas grandes cidades.
(ii) A ideologia dos coitadinhos lascadinhos excluidinhos, que faz dos criminosos vítimas e das vítimas criminosos, condenando a Polícia, banalizando o crime, como os nazistas banalizaram o Holocausto, diria Hannah Arendt.
(iii) O fato social mais importante dos tempos atuais: a enorme difusão das drogas pesadas. Difusão devida não apenas a uma legislação contraproducente, mas também às inovações tecnológicas que têm reduzido muito o custo dos alucinógenos.
Nos últimos cem anos, como argumentei aqui mesmo, outro dia, melhoramos em muitas coisas. Nisso aí, não.

(Publicado no Facebook em18/12/2017)

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