sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

BANANA PASSA, LEMBRANÇAS FICAM

Gustavo Maia Gomes
Recife, 13 de dezembro de 2018
Olga Cardoso Pedrosa (de vestido escuro)
e suas quatro filhas: da esquerda para a
direita, Heloisa, Maria, Stella e Valentina.
(Foto pertencente ao acervo da família.)
Comia-se bem na casa da avó Olga Cardoso Pedrosa (1895-1978), em Maceió, no tempo em que mais a frequentei, aí pelos anos mil novecentos e sessenta. Ainda não havia esses cozinheiros que, julgando-se artistas plásticos, nos dão pratos de bela aparência e péssimo sabor. Olga nunca quis ser Anita Malfatti. Sua arte era feita de temperos, não de cores exóticas e formas geométricas.
Preparava sururu de capote, que se leva ao fogo grudado na concha. Assim, o molusco comparece à mesa com a dignidade de um lorde inglês. Tem gosto único, talvez por isso. (Recentemente, Murilo Lins Marinho me trouxe de volta essas lembranças. Poderemos reeditá-las na próxima ida de Lourdes e minha a Maceió?)
Sururu é uma coisa, galinha de Angola, outra. No quintal da casa onde Olga morava, havia sempre uma dezena delas (eu preferia chamá-las “tô fracos”, pois seu canto não passa disso: tô fraco, tô fraco...). Difícil era caçá-las, mas, afinal, alguém conseguia e elas iam para a panela. De carne um pouco mais dura que a da galinha comum, se bem feitas, como eram, são deliciosas.
Tinha mais. Queijo manteiga (mais raramente, coalho) assado. Bananas-passa preparadas pelo método antigo: uma tábua comprida exposta ao sol a cada manhã e recolhida à noite. Até ficarem prontas, vários dias se passavam. Mais do que gastávamos para consumi-las, meus primos, irmãos e eu.
Frutas-pães, abacates, mangas rosas e espadas, manguitos eram colhidos no quintal da casa e levados para a mesa, ou consumidos na hora. Uma goiabeira imensa produzia o fruto das compotas e geleias preparadas por Olga. Azeitonas (ou jamelões; ela as chamava “oliveiras”). Colhê-las era quase tão gostoso quanto olhar as meninas à noite em volta da fonte luminosa um dia instalada na Praça dos Martírios, perto dali.
Nem tudo era comida, claro. No universo da Avenida Moreira e Silva e vizinhança, Olga tinha as companhias das filhas, netos e genro; de um rádio receptor Mullard enorme; de uma escrivaninha com tampa de correr, onde ela redigia incontáveis cartas; de um telégrafo Morse verdadeiro e operante, trazido pelo genro Álvaro, correspondente em Alagoas da Asa Press. E do jornal O Semeador, editado pela Diocese local.
Em Maceió, embora não na casa de Olga, também comíamos os camarões do Bar das Ostras, os pitus do Mundaú, as patas de caranguejo (os alagoanos de então as chamavam “bocas de uçá”) de tantos locais diferentes. Se procurarmos direito, ainda acharemos tudo isso lá. Como diria minha avó, ao retirar do relento a comprida tábua: banana passa, lembranças ficam.

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