Gustavo Maia Gomes
(Artigo publicado em Valor Econômico, 3 de julho de 2001)
Pode a teoria econômica
responder a tais perguntas? Com certeza, sim. Por um lado, porque os elos de
dependência entre religião e economia sempre existiram. Para funcionar,
qualquer Igreja precisa cobrir seus custos: quem sustenta o padre ou pastor?
como é paga a manutenção dos templos? Por outro lado, porque as organizações
religiosas têm sido mais e mais concebidas como empreendimentos geradores de
receitas, pela venda de ilusões embaladas em linguagem bíblica - uma boa
definição para as religiões do lucro. Sua simples existência já justifica
falar-se de uma "microeconomia da empresa religiosa".
Microeconomia de um mercado
altamente competitivo, embora nem sempre tenha sido assim. Pois, até meados do
século vinte, a Igreja Católica exerceu um virtual monopólio na indústria
brasileira de serviços religiosos, oferecendo um produto único, que deveria ser
consumido indistintamente por ricos e pobres, jovens e velhos, brancos e
negros.
O monopólio pôde ser mantido
enquanto o Brasil foi uma sociedade agrária, mas não resistiu à
industrialização. Sobretudo porque, junto com a indústria, vieram a cidade, o
rádio, a televisão - veio uma visão do mundo mais individualista. Um dia,
quebrou-se o encanto: não era mais proibido procurar substitutos para a
religião de nossos pais e avós. Estava aberta a competição, condição
necessária, embora não suficiente, para o aparecimento de dissidências no
próprio catolicismo e, em última análise, para a proliferação de novas seitas.
Quando perderam o monopólio,
setores da Igreja Católica trataram de enfrentar a concorrência diversificando
seu produto. Assim surgiram a religião-espetáculo, que leva violões e conjuntos
musicais para animar as missas; a teologia da libertação, dirigida aos jovens
com preocupações sociais; a carismática, que promete tornar o imaginário
religioso diretamente acessível aos fiéis.
Tal reação garantiu uma
sobrevida ao catolicismo brasileiro, mas não eliminou suas desvantagens na
competição por receitas e lucros. Pois, apesar de jogar pesado neste terreno,
enquanto pôde fazê-lo, a Católica sempre manteve uma posição dúbia com respeito
aos bens materiais. (Não era mais difícil um rico salvar-se do que um camelo
passar num buraco de agulha?) Devido a isso, quando seu monopólio foi quebrado,
o que lhe dificultou manter ativos os antigos modos de acumulação baseados em
privilégios legais e em terror moral, aquela Igreja se viu praticamente
impossibilitada de crescer.Claramente, foram os evangélicos
que ganharam a guerra. Como bons empresários, eles fizeram quatro descobertas
fundamentais:
1. que o investimento inicial
necessário para fundar uma igreja é muito pequeno;
2. que os custos correntes do
negócio também são baixos;
3. que existe uma demanda
praticamente ilimitada por produtos religiosos como hipotéticos ganhos
materiais, supostas curas miraculosas e reservas de lugares no Paraíso; e
4. que é possível vender esses
produtos por meio da cobrança de dízimos e da extração de ofertas e doações.
Passando da teoria à prática, os novos empresários logo estavam convertendo possibilidades em lucros. Ou seja, os quatro fatores acima, somados à existência de pessoas dotadas de capacidade empresarial, explicam a proliferação das seitas, que continuam surgindo do nada, aos montões.
Passando da teoria à prática, os novos empresários logo estavam convertendo possibilidades em lucros. Ou seja, os quatro fatores acima, somados à existência de pessoas dotadas de capacidade empresarial, explicam a proliferação das seitas, que continuam surgindo do nada, aos montões.
Mas, se os elementos
relacionados no parágrafo anterior favorecem a multiplicação dos pequenos
empreendimentos religiosos, como explicar que algumas dessas igrejas tenham
crescido espetacularmente?
A chave da resposta está no fato
de que, a exemplo das drogas, a religião também causa dependência física e
mental. Devido a isso, se tiver habilidade para convencer os clientes de que
sua particular seita é a única "verdadeira", o pastor-empresário
poderá contar com a fidelidade praticamente incondicional de seus seguidores.
Em microeconomia, isso se chama
diferenciação de produto, geralmente alcançada com o auxílio da propaganda e
artifícios de embalagem. Quanto mais conseguir diferenciar seu produto, mais
uma determinada seita reduzirá a elasticidade-preço do mesmo, o que significa
dizer que as pessoas consumirão quantidades constantes daquela espécie
particular de serviço religioso, ainda que a pressão do pastor para extrair
dinheiro de seus fiéis alcance intensidade maior do que a da concorrência. Os
empresários que conseguiram um bom resultado nessa empreitada puderam ter taxas
de lucro anormalmente altas e, assim, financiar um grande crescimento de sua
seita.
Dessa forma, tomadas em
conjunto, as características do processo produtivo e as propriedades
narcotizantes do produto religioso explicam tanto a profusão de seitas (pois os
custos de montar o negócio são baixos e as perspectivas de lucro, altas) quanto
a extraordinária expansão de algumas delas (cujos clientes aprenderam a
perceber a diferença entre seis e meia dúzia). O acesso aos meios de
comunicação em massa, privilégio das maiores seitas, apenas reforça essa última
tendência.
Recebedores de tantas bênçãos,
imediatamente transformadas em gordas contas bancárias, os novos empresários
religiosos têm mesmo é de dar graças a Deus e (como diriam os economistas) a
funções de produção e de utilidade muito convenientes.
Amém.
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