terça-feira, 11 de outubro de 2011

“Imagine na Copa”


Gustavo Maia Gomes





Faltando ainda três anos para o acontecimento, já estou farto da Copa do Mundo. Quero que ela vá para outro mundo, se não puder ir para o inferno. Aborrece-me ouvir a mesma ladainha nas filas de aeroporto (“imagine na Copa”), nos hotéis lotados (“imagine na Copa”), nos engarrafamentos de trânsito (“imagine na Copa”), nas esperas em restaurantes (“imagine na Copa”). Não os frequento, mas o bordão também deve estar sendo repetido nas igrejas evangélicas e nos prostíbulos: “imagine na Copa”, prega o pastor aos seus fiéis; “imagine na Copa”, diz a puta aos seus clientes.
Um evento idiota governa o país. Por conta dele, entre um escândalo financeiro e outro, os dirigentes da Fifa vêm ao Brasil distribuir reprimendas à presidente da República, governadores, prefeitos, deputados, inspetores de quarteirão e guardas-noturnos. “Isso aqui está errado”, “aquilo ali, nem pensar”, “a cidade tal vai ter jogos”, “a cidade qual vai ter nada”, “os estádios estão atrasados”, “desse jeito, ninguém vai ter acessibilidade”, “se licitar demora, construam sem licitação”. Eles dão as ordens e são obedecidos. A Fifa substituiu o FMI.
Existe, naturalmente, o mote de que a Copa será um grande negócio. Mas essa tese é falsa. Numa recente dissertação de mestrado (“Considerações sobre o impacto econômico da Copa do Mundo de 2010”, Universidade Rhodes), Mathew Menezes  demonstrou que os benefícios líquidos dos megaeventos anteriores não eram uma consequência necessária da hospedagem. Além disso, as estimativas do impacto produzidas antes do evento são sempre mais positivas que as feitas depois.
Menezes concluiu de forma conservadora: “não haverá ganhos econômicos significativos no curto prazo.(...) Espera-se que o impacto total será uma função dos benefícios de longo prazo, que devem ultrapassar os custos de curto-prazo (...). É, no entanto, improvável que a Copa do mundo estimule a taxa de crescimento econômico do país a alcançar níveis acima dos que irão ocorrer mesmo que o evento não seja realizado na África do Sul” (Disponível em inglês no site http://eprints.ru.ac.za/1843/).
Deve ser notado que o principal benefício alegado por Menezes seria a melhoria da imagem do país-sede, “já que isso poderá ter efeitos de longo prazo sobre o turismo e a entrada de capitais externos”. Compreende-se que a África do Sul, em 2010, ainda precisasse melhorar sua imagem internacional, para ter mais turistas e capital. Mas o mesmo dificilmente valerá para o Brasil, em 2014. Ou seja, ao invés de nutrir esse mito da Copa como um grande negócio, os brasileiros deveriam mandar a Fifa para o mesmo lugar aonde os torcedores mandam os juízes, nas partidas desse joguinho no qual todos os atletas fazem propaganda e nenhum faz gol. E os governantes deveriam levar reprimendas não de esportistas com reputação duvidosa, porém de seus próprios eleitores.
Não é por causa da Copa de 2014 que o Brasil precisa ter aeroportos eficientes, hotéis confortáveis, estradas e avenidas adequadas, restaurantes higiênicos, igrejas sem charlatães e bordeis com ISO 9000. É por causa da existência, nos limites de seu território, de uma população que trabalha, produz e paga impostos. Não em 2014, mas desde sempre – e depois, também.
Outro dia, um jornal de cidade pequena abreviou “Copa do Mundo” para “C. do Mundo”. Sem querer, deu uma ótima sugestão de onde realizar tão esperado evento.


(Artigo publicado no Jornal do Commercio, Recife, 11/10/2011, pág. 10)

2 comentários:

  1. Concordo plenamente, Professor. Mas tomara que estes investimentos se realizem mesmo até a Copa. Caso contrário vão começar a dizer que a gente não precisa de aeroportos mais eficientes, estradas e avenidas adequadas, etc.

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  2. Parabens professor, como sempre, e especialmente no Brasil o futebol tem a força de cegar as pessoas para os reais problemas. Belissimo texto. forte abraço

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