terça-feira, 11 de outubro de 2011

Pastores e pastados

Gustavo Maia Gomes




Baiana de nascimento, irmã Dulce caminha para se tornar a primeira santa oficial nordestina, com atestados de milagre e tudo. (Se ela, cuja vida foi um exemplo de dedicação ao próximo, gostaria de protagonizar esse tipo de farsa, é outra história.) A presidente Dilma; seu principal adversário na última eleição, José Serra; o senador José Sarney e o governador da Bahia, Jacques Wagner, compareceram à missa de beatificação da irmã, domingo (22/05/2011), em Salvador. Eles e mais 70 mil pessoas. Uma vez e meia o público que, no mesmo dia, assistiu o show de Paul MacCartney no Rio de Janeiro.

Foi um evento religioso, mas também, como se vê, político e, em última instância, econômico, pois “a marca Irmã Dulce rende, e muito (...). Quase 60 instituições públicas e privadas do Brasil fizeram registro com o nome da religiosa.” (Jorge Gauthier, redação Correio, 19/5/2011)

Na verdade, o Nordeste já tinha, pelo menos, um santo de fato: padre Cícero. Talvez dois, contando com Frei Damião de Bozzano. Não importa quantos milagres sejam atribuídos à irmã Dulce, ainda demorará até que a santa baiana atraia multidões semelhantes às que, a cada ano, se dirigem a Juazeiro do Norte, terra do padre Cícero:  500 mil fiéis, ou seja, duas vezes a população permanente do município. Romeiros individualmente pobres, mas coletivamente ricos, que deram o impulso essencial para transformar a antiga Joaseiro em uma cidade moderna, com universidades, um movimentado aeroporto, avenidas espaçosas e bem iluminadas, imponentes prédios de apartamentos, lojas luxuosas – e a onipresença de Padre Cícero em todas as esquinas.

Um símbolo com tamanho valor econômico não se joga fora assim, a troco de nada, e a igreja Católica, que (cruz credo!) chegou a excomungá-lo, já está tratando de reabilitar o padre, preparando o terreno para torná-lo, um dia, oficialmente, santo. Quem duvidar, deve ler o excelente livro de Lira Neto (Padre Cícero, São Paulo, Companhia das Letras, 2009).

Mas a bola da vez é a irmã Dulce. Com sua beatificação, os católicos saem da defensiva e se lançam ao contra-ataque. Para enfrentar a competição das igrejas evangélicas, ter santos locais ajuda bastante. Beato é pouco: precisa-se de santos. (Na verdade, para um homem, esse termo “beato” soa até meio afrescalhado.) Está em jogo dinheiro, muito dinheiro. Não há mistério nem novidade nisso. Tanto o imenso patrimônio da igreja Católica quanto o sucesso comercial das igrejas evangélicas – brasileiras, multinacionais – demonstram que a religião pode dar grandes lucros. Mais do que grandes lucros: ser um “negócio da China” e – por que não? – de Roma, de Salvador, do Recife...

Nessa última cidade há, inclusive, um pólo religioso, na avenida Cruz Cabugá. Um verdadeiro cluster. São tantas igrejas, uma junto da outra, que alguém (não um pastor, mas um pastado) corre o risco de ficar pobre só em passar perto dali.

Publicado também em www.blogdatametrica.com.br

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