sábado, 15 de outubro de 2011

Ser ou não Sergipe


Gustavo Maia Gomes
  
Melhor que o desenvolvimento prometido pelo governo 
sergipano, só mesmo o Céu. Talvez, nem isso.


Realizado em outubro [de 2008], em Aracaju, o VI Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos Regionais e Urbanos propiciou uma ocasião para que o governo do Estado divulgasse ao mundo a sua concepção de desenvolvimento. Isso foi feito, até certo ponto. Infelizmente, a maior lição ficou escondida em documento oficial recém-saído da gráfica, mostrado ao público de longe. Uma cópia, contudo, passou por vários olhos pouco propensos a guardar segredos, como os deste colunista, que após enfrentar um dilema – “Ser ou não Ser(gipe)?” – resolveu contar tudo.
O plano Desenvolver-SE começa informando sobre um tempo antigo quando “se acreditava que, para desenvolver uma nação, bastava aumentar sua riqueza”. Demorou pouco e “se percebeu que isso era um engano [pois], na maioria dos países, nem todas as pessoas recebiam os benefícios e a maioria da população continuava pobre”. E assim, um dia, alguém concluiu que, para se ter desenvolvimento, não bastava aumentar a riqueza, “era necessário, também, distribuí-la igualmente entre as pessoas”. Nada menos do que distribuir a riqueza igualmente entre as pessoas.
Essa nova idéia “durou bastante tempo, quase todo o Século XX”, mas terminou sendo superada, pois “a busca indiscriminada (...) por mais riqueza causou graves problemas ao ambiente”. Consequentemente, “o conceito precisou incorporar a idéia do uso responsável dos recursos naturais disponíveis. Desse modo, o desenvolvimento de uma nação [passou a estar] relacionado ao crescimento da riqueza, [sim, porém] distribuída igualmente entre todos os cidadãos, [e] sem destruição do meio ambiente”.
Ainda não era o bastante, garante o plano. Portanto, para chegar mais perto da perfeição, “o conceito foi ampliado pela idéia de que o desenvolvimento deve considerar outras dimensões importantes da vida humana, tais como a preservação dos valores culturais, os direitos de participação política e a abolição dos preconceitos religiosos, étnicos e de classes, de modo a garantir a todos a liberdade para buscar a realização dos projetos individuais e coletivos”. Este, naturalmente, é o ideal perseguido pelo governo sergipano.
Para resumir, uma coisa é certa: sempre que houver um encontro em Aracaju, iremos conhecer os mais recentes pensamentos sobre tão momentoso assunto. Quais serão eles, ainda não sabemos, se bem que um artigo de Rod Smith no periódico cristão American Chronicle (http://www.americanchronicle.com/articles/39512) nos dá uma pista. Ali está dito que a Bíblia faz uma descrição do Paraíso nestes termos: “Deus enxugará todas as lágrimas. Não haverá mais mortes, sofrimento, dor, arrependimento, choro.” – “Noite?”, pergunta Smith. – “Nunca jamais”, responde o próprio, como se cantasse um bolero. E continua: “a luz de Deus se espalhará pelo Céu, uma cidade construída em ouro puro e cujas fundações serão adornadas com pedras preciosas; cada um dos seus doze portões será feito de pérolas; um rio de água da vida fluirá do trono de Deus até o do Cordeiro e as árvores produzirão frutos todos os meses do ano”.
Projetando a evolução descrita no Desenvolver-SE, este bem poderia ser o passo seguinte na concepção de desenvolvimento. Mas só até o dia em que algum economista resolvesse interpelar o todo-poderoso com as perguntas de um pensador politicamente engajado: “essa luz de Deus está distribuída de forma igual para todos?”; “tanta extração de ouro e pedras preciosas não causa danos irreparáveis ao ambiente celestial?”; “como estão as matas ciliares do rio da vida?”; “nenhuma palavra sobre os direitos dos índios preservarem sua cultura, ao mesmo tempo em que se comunicam por meio de telefones celulares?”; “árvores que dão frutos o ano todo têm de ser irrigadas – pela dimensão da coisa, elas devem pertencer ao agronegócio concentrador de renda – isso é desenvolvimento?”. Problemas e mais problemas.
Sejamos, portanto, cautelosos. Não é prudente ir além do Desenvolver-SE. Talvez devêssemos até esquecer os outros ingredientes do desenvolvimento e nos contentar em ver a riqueza distribuída igualmente para todos: preguiçosos e esforçados, gênios e idiotas, bandidos e cidadãos honestos, gente bondosa e gente odienta, mulheres e homens, paulistas e sergipanos. Até o dia que, entediado com tanta igualdade, alguém resolvesse iniciar uma epidemia de suicídios.
Não em Aracaju, por favor.


(Publicado na revista Nordeste Econômico, Ano 2, n. 11, novembro de 2008)

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