Gustavo Maia Gomes
Melhor que o desenvolvimento
prometido pelo governo
sergipano, só mesmo o Céu. Talvez, nem isso.
Realizado em outubro [de 2008], em Aracaju, o VI Encontro Nacional da Associação
Brasileira de Estudos Regionais e Urbanos propiciou uma ocasião para que o
governo do Estado divulgasse ao mundo a sua concepção de desenvolvimento. Isso
foi feito, até certo ponto. Infelizmente, a maior lição ficou escondida em
documento oficial recém-saído da gráfica, mostrado ao público de longe. Uma
cópia, contudo, passou por vários olhos pouco propensos a guardar segredos,
como os deste colunista, que após enfrentar um dilema – “Ser ou não Ser(gipe)?”
– resolveu contar tudo.
O plano Desenvolver-SE começa
informando sobre um tempo antigo quando “se acreditava que, para desenvolver
uma nação, bastava aumentar sua riqueza”. Demorou pouco e “se percebeu que isso
era um engano [pois], na maioria dos países, nem todas as pessoas recebiam os
benefícios e a maioria da população continuava pobre”. E assim, um dia, alguém concluiu
que, para se ter desenvolvimento, não bastava aumentar a riqueza, “era
necessário, também, distribuí-la igualmente entre as pessoas”. Nada menos do
que distribuir a riqueza igualmente
entre as pessoas.
Essa nova idéia “durou bastante tempo, quase todo o Século XX”, mas
terminou sendo superada, pois “a busca indiscriminada (...) por mais riqueza
causou graves problemas ao ambiente”. Consequentemente, “o conceito precisou
incorporar a idéia do uso responsável dos recursos naturais disponíveis. Desse
modo, o desenvolvimento de uma nação [passou a estar] relacionado ao
crescimento da riqueza, [sim, porém] distribuída igualmente entre todos os
cidadãos, [e] sem destruição do meio ambiente”.
Ainda não era o bastante, garante o plano. Portanto, para chegar mais
perto da perfeição, “o conceito foi ampliado pela idéia de que o
desenvolvimento deve considerar outras dimensões importantes da vida humana,
tais como a preservação dos valores culturais, os direitos de participação
política e a abolição dos preconceitos religiosos, étnicos e de classes, de
modo a garantir a todos a liberdade para buscar a realização dos projetos
individuais e coletivos”. Este, naturalmente, é o ideal perseguido pelo governo
sergipano.
Para resumir, uma coisa é certa: sempre que houver um encontro em
Aracaju, iremos conhecer os mais recentes pensamentos sobre tão momentoso
assunto. Quais serão eles, ainda não sabemos, se bem que um artigo de Rod Smith
no periódico cristão American Chronicle
(http://www.americanchronicle.com/articles/39512)
nos dá uma pista. Ali está dito que a Bíblia faz uma descrição do Paraíso
nestes termos: “Deus enxugará todas as lágrimas. Não haverá mais mortes,
sofrimento, dor, arrependimento, choro.” – “Noite?”, pergunta Smith. – “Nunca
jamais”, responde o próprio, como se cantasse um bolero. E continua: “a luz de
Deus se espalhará pelo Céu, uma cidade construída em ouro puro e cujas fundações
serão adornadas com pedras preciosas; cada um dos seus doze portões será feito
de pérolas; um rio de água da vida fluirá do trono de Deus até o do Cordeiro e as
árvores produzirão frutos todos os meses do ano”.
Projetando a evolução descrita no Desenvolver-SE,
este bem poderia ser o passo seguinte na concepção de desenvolvimento. Mas só
até o dia em que algum economista resolvesse interpelar o todo-poderoso com as
perguntas de um pensador politicamente engajado: “essa luz de Deus está distribuída
de forma igual para todos?”; “tanta extração de ouro e pedras preciosas não
causa danos irreparáveis ao ambiente celestial?”; “como estão as matas ciliares
do rio da vida?”; “nenhuma palavra sobre os direitos dos índios preservarem sua
cultura, ao mesmo tempo em que se comunicam por meio de telefones celulares?”; “árvores
que dão frutos o ano todo têm de ser irrigadas – pela dimensão da coisa, elas
devem pertencer ao agronegócio concentrador de renda – isso é desenvolvimento?”.
Problemas e mais problemas.
Sejamos, portanto, cautelosos. Não é prudente ir além do Desenvolver-SE. Talvez devêssemos até
esquecer os outros ingredientes do desenvolvimento e nos contentar em ver a
riqueza distribuída igualmente para
todos: preguiçosos e esforçados, gênios e idiotas, bandidos e cidadãos honestos,
gente bondosa e gente odienta, mulheres e homens, paulistas e sergipanos. Até o
dia que, entediado com tanta igualdade, alguém resolvesse iniciar uma epidemia
de suicídios.
Não em Aracaju, por favor.
(Publicado na revista Nordeste Econômico, Ano 2, n.
11, novembro de 2008)
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