Gustavo Maia Gomes
Um estudo do Banco Mundial (veja a referência no
final deste artigo) cobrindo todos os países nos últimos dois séculos e meio propõe-se
a explicar a riqueza ou a pobreza relativa das pessoas respondendo a apenas duas
perguntas: (1) o chefe da família é um capitalista? e (2) em que país a pessoa mora?
As principais conclusões são as seguintes:
(1) Em meados do século 19, o primeiro fator respondia
por metade da desigualdade: donos de
capital eram ricos; trabalhadores, pobres. O local de residência explicava a
outra metade: capitalistas ingleses tinham renda maior do que capitalistas
indianos. Mas não havia muita diferença de renda entre trabalhadores de países
ricos e de países pobres. Todos viviam pouco mais, pouco menos, no limite da
subsistência.
(2) No início do século 21, isso mudou
substancialmente. Agora, só um quinto
da disparidade de renda se deve à propriedade (ou falta dela) do capital; os
outros quatro quintos são devidos ao local de residência. Outra mudança
importantíssima: os salários dos trabalhadores de baixa, porém similar,
qualificação – que há 160 anos pouco diferiam – são, hoje, dez vezes maiores
nos países ricos que nos muito pobres.
Dois grandes processos concorreram para produzir
essa nova realidade, ambos nas sociedades capitalistas precursoras da revolução
industrial: os países da Europa ocidental, Estados Unidos, Canadá, Japão, e uns
poucos outros.
De um lado, aconteceu nesses países um crescimento
econômico de duração e intensidade absolutamente sem precedentes na história
universal. Isso distanciou a renda média dos países ricos da dos países pobres,
onde não estava ocorrendo nada semelhante, dessa forma, contribuindo para
realçar a importância da “localização” na explicação das diferenças de renda
entre pessoas de todo o mundo.
De outro lado, sobretudo, a partir da segunda
metade do século 20, os trabalhadores nos países capitalistas avançados conseguiram
se apropriar de parcelas crescentes dos aumentos de produtividade que estavam alimentando
a expansão do produto interno, transformando-as em maiores salários. Como não
havia quase nenhum crescimento em boa parte dos países pobres, não havia o que
distribuir na forma de aumentos salariais. Portanto, as rendas dos trabalhadores
se distanciaram cada vez mais, entre países, contribuindo para reduzir o peso
da propriedade (ou não) do capital como elemento explicativo da desigualdade.
Branko Milanovic, o autor do estudo, percebeu com
clareza a implicação dessa mudança. Em 1848, Marx e Engels publicaram o Manifesto do Partido Comunista, com o lema
“Proletários do mundo, uni-vos [para fazer a revolução universal]; nada tendes
a perder senão vossos grilhões”. A política internacional nos 150 anos
seguintes giraria, em grande medida, em torno disso. Já em 2011, o grito de
guerra teria de ser outro: “Imigrantes da pobreza, vão à luta [para entrar
ilegalmente na Europa ou nos Estados Unidos], nada tendes a perder senão uma
miserável existência”. É provável que a política internacional neste século venha
a ser dominada, cada vez mais, por essa questão.
Do ponto de vista mais estritamente econômico,
Milanovic realça um ponto importante: como ainda levará muito tempo até que o
crescimento econômico mais rápido dos países pobres reduza substancialmente a
discrepância de renda média entre países, a única via rápida para a redução das
desigualdades entre pessoas será, mesmo, a migração. Que deveria, então, ser
estimulada, ao invés de combatida. (Mas vá dizer isso aos assalariados da
Alemanha ou dos Estados Unidos.)
Se o velho Marx saísse da tumba iria querer morrer
de novo: seu sonho da solidariedade internacional entre os proletários transformou-se
na perseguição – apoiada pelos trabalhadores alemães – aos africanos destituídos
de capital que tentam entrar na Europa.
E quem disse que isso também não acontece –
felizmente, ainda, em grau menor – dentro do nosso próprio país, por exemplo,
com os nordestinos em São Paulo?
Referências:
Branko Milanovic, “Global Inequality: From Class to
Location, from Proletarians to Migrants”, The World Bank, Policy Research Working Paper 5820, September 2011, disponível em http://www-wds.worldbank.org/external/default/WDSContentServer /IW3P/IB/2011/09/29/000158349
_20110929082257/Rendered/PDF/WPS5820.pdf
Karl Marx e Friedrich Engels, O Manifesto Comunista. Disponível como
livro eletrônico em http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/manifestocomunista.pdf
(A
edição alemã original é de 1848)
Este artigo foi publicado, simultaneamente, em http://www.blogdatametrica.com.br, http://www.econometrix.com.br e http://www.gustavomaiagomes.blogspot.com (17 out 2011)
O sectarismo, a xenofobia são algumas das mazelas produzidas pela Europa. O Nazismo e o fascismo permanecem bem vivos e descansando numa cadeira de balanço, esperando mais algumas vítimas.
ResponderExcluirO que se faz contra os africanos é o mesmo que era feito, só que de maneira diferente, há séculos passados. Mantê-los 'presos' á miséria e a intolerância é um meio eficaz de submetê-los, subestimá-los e subtrai-los.
Quanto aos nordestinos, essa prática foi aprendida, infelizmente. Nordestinos ferram nordestinos. É só observar os políticos dessa região brasileira que na sua maioria, são tão canalhas que não teriam vagas no inferno, pois, o diabo não é louco de admitir uma concorrência dessas.
Abraços.