sábado, 15 de outubro de 2011

A economia da ignorância bem remunerada


Gustavo Maia Gomes

Um modelo e ator famoso disse que ganhava, por desfile: “entre 10 e 15 mil reais – mais ou menos nessa faixa etária”.


Ignorância nem é a palavra exata. Razões de etiqueta, contudo, recomendaram seu emprego. Feita a ressalva, vamos ao ponto: numa era em que a “economia baseada no conhecimento”, supostamente, tornou-se a única avenida para a criação de riqueza, como se explica que muitas pessoas com as mais altas remunerações sejam tão ignorantes?
Está fora de propósito citar nomes, mas qualquer um que elabore uma lista dos mais notórios apresentadores de televisão, artistas de cinema, corredores de Fórmula Um e jogadores de futebol, há de saber do que estou falando. Dou algumas ilustrações, só para fixar o ponto:
1) Houve o seguinte diálogo entre dois apresentadores de televisão: – Maria, você conhece a piada dos 500 quilos? – Não, Jorge, conta – Não posso, é muito pesada. – Ah, você vai me deixar curiosa.
2) Um jogador de futebol foi instado por um repórter de rádio a explicar o lance de que resultou o gol da vitória de seu time. Sua declaração: “eu fiz que fui, não fui, e acabei fundo”.
3) Conhecido modelo e ator revelou ganhar, por desfile: “entre 10 e 15 mil reais – mais ou menos nessa faixa etária”. Outro, perguntado sobre seu prato predileto respondeu: “prato de loiça”.
Certamente, modelos, apresentadores, jogadores não precisam ser intelectuais. Apenas não poderiam (com desculpas pela palavra) ser tão burros, se a “economia do conhecimento” tivesse alguma relevância nesses setores. Mas o pior é que, com freqüência, aqueles homens e mulheres não são grandes talentos sequer na própria profissão. Apesar disso, faturam milhões.
Nunca houve um jogador como Pelé, mas deve haver, hoje, no mundo, uns 200 futebolistas em atividade ganhando muito mais do que o ídolo do Santos jamais sonhou. Isso também é verdade para automobilistas como Fangio; atores como Valentino; cantores como Orlando Silva, de talentos incomparáveis aos de seus pares contemporâneos – entre os quais se inclui aquele senhor da faixa etária.
Voltando à pergunta, um pouco modificada: como se explica que as pessoas com a maior remuneração no mundo atual sejam, frequentemente, completos incomperantes? – entendendo-se o termo como uma mistura de incompetência com “ignorância”.
Proponho a seguinte resposta: o mundo moderno é marcado pela comunicação em massa. Calcula-se que as transmissões da Copa do Mundo e das Olimpíadas sejam acompanhadas por quatro bilhões de pessoas; um desfile de alta costura pode ser visto simultaneamente em todos os países; as corridas de Fórmula Um são mostradas em escala planetária...
Inevitavelmente, a exibição de uma pessoa nestes contextos atrativos confere à sua imagem um imenso poder comercial. A partir deste ponto, o valor de mercado do indivíduo deixa de ter uma relação estreita com sua atividade primordial. A profissão, na verdade, torna-se um detalhe: os desfiles importam pouco, mas se as empresas cortarem as verbas de propaganda a modelo estará arruinada.
Em resumo: na sociedade contemporânea, a remuneração do ator, modelo, jogador, etc, passou a ser, em larga medida, independente de sua competência específica, menos ainda, de seu “conhecimento”. Será melhor se o corredor ganhar algumas corridas; se a modelo não tiver bunda; se o ator exibir uma falsa masculinidade. Mas nada disso, a rigor, é indispensável. A inteligência, por seu turno, constitui um ornamento inteiramente supérfluo.
Muitas pessoas alcançam posições de fama e alta remuneração por pura sorte – o estar no lugar certo, na hora certa. Depois que chegam ao topo, contudo, têm grande chance de ali continuar, pois custa caro aos seus patrocinadores produzir um substituto igualmente conhecido. Elas se tornam produtos diferenciados e se beneficiam disso.
Não importa que, ao lado dos 100 ou 200 futebolistas de maior fama, exista uma multidão de jogadores muito mais talentosos tentando ser reconhecidos. Uns poucos conseguirão; a maioria terá de se contentar em ver os pernas-de-pau milionários pensarem que são gênios, enquanto falam como debilóides.
Para esses, o que vale, mesmo, é a “economia baseada no desconhecimento”.

(Publicado na revista Nordeste Econômico, Ano 4, n. 18, janeiro de 2010)

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