segunda-feira, 31 de julho de 2017

O pilar da falsidade

Gustavo Maia Gomes
Em artigo curto, mas importante ("A utopia de Lula e do PT acabou", O Globo, 13/7/2017), o jornalista Zuenir Ventura relembra seu encantamento original com o hoje condenado Luís Inácio e com a organização criminosa – no começo, era um partido – por ele fundada. Dá dois motivos principais para seu entusiasmo, que já se extinguiu:
(1) Os padrões éticos do PT recém nascido: "Era raro encontrar um petista nos escândalos políticos de então; hoje, é difícil haver um escândalo sem nenhum petista envolvido". (Estou citando de memória; as palavras podem não ter sido exatamente essas.)
(2) A dedicação aos pobres. Zuenir recorda seu trabalho de jornalista acompanhando o Lula dos primeiros tempos e se enternece retrospectivamente com as visitas que o futuro larápio fazia aos lares mais miseráveis, sempre levando uma mensagem de redenção. (Estou forçando a memória, mas creio que o essencial do pensamento é esse.)
Santo de barro
Tenho apenas um rápido comentário a fazer sobre (1): ainda bem que Zuenir Ventura está entre aqueles raros admiradores de Lula e do PT íntegros e inteligentes o bastante para reconhecer, em face das evidências reunidas pelas investigações criminais, que seu santo era de barro. Viva o velho jornalista por tê-lo admitido.
Isso, entretanto, a despeito de sua enorme relevância, é o menos importante. Além de ser óbvio. Só um cara muito burro, ou mal intencionado, ainda não se convenceu de ter cometido grave engano ao votar seguidas vezes num político ladrão e num partido dedicado a assaltar os cofres públicos. Portanto, eu prefiro dar mais atenção ao ponto (2), acima: as conversas de Lula com as pessoas hoje designadas como "excluídas".
Não sei o que o líder operário dizia aos pobres a quem visitava, mas posso imaginar. A herança cultural de Lula, assim como do sindicalismo ideológico, da Teologia da Libertação, do revolucionismo marxista, da pedagogia de Paulo Freire, da esquerda em geral, é o coitadismo, que tem como premissa básica uma afirmação FALSA: a de que, se eu sou pobre, alguém está me roubando. Desde o século XVIII, pelo menos, essa falácia nos persegue.
Muitas razões respondem pela popularidade de tal crença. A mais evidente é que ela produz o conforto simples sem o qual os idiotas não sabem viver. Quer coisa melhor do que acreditar — e com o respaldo de gente conceituada: Marx chamou seu socialismo de "científico"! — que aquele rico safado, possuidor das coisas que eu gostaria de ter, é responsável pela miséria do mundo, a começar pela minha?
Uma segunda razão para tanta gente acreditar no afirmaçao "o roubo explica a riqueza" é a incessante propaganda que a tese recebe. Um número elevado de pessoas vence na vida se aproveitando da crença ingênua das multidões naquela premissa falsa. E, portanto, trabalha para que tal convicção se torne a cada dia mais firme e generalizada.
Ao propagar a mentira, Lula, assim como os sindicalistas ideológicos, os teólogos da libertação, os revolucionários marxistas, os pedadogos paulo-freireanos, os esquerdistas em geral, reforçam o disfarce construído para ocultar o verdadeiro objetivo de suas atividades, que é produzir vantagens para eles mesmos e seus grupos.
Com tanta gente dedicada à propaganda de teses reconfortantes e fáceis de entender, não surpreende que elas se tornem ainda mais populares. E, assim, o palco é montado para que uns poucos escolhidos promovam o "bem" do povo e a felicidade geral deles próprios.
Falsidade ideológica
Com a difusão da tese coitadista, os votos dos pobres (somados aos dos profissionais liberais, professores universitários e intelectuais de formação duvidosa) facilmente se canalizam para os que prometem combater os vilões causadores da pobreza. Esses votos elegeram Lula e seus comparsas, os quais, em seguida, se dedicaram ao que realmente lhes interessava: perpetuar-se no poder e enriquecer além da imaginação.
Mas, não foi apenas Lula e o PT que se beneficiaram com a convicção do povo na premissa falsa. O fenômeno é muito mais geral e abrange todos os segmentos da esquerda, no Brasil e no mundo. Seus efeitos têm sido, correspondentemente, amplos. Por exemplos:
(i) A mobilização dos trabalhadores sindicalizados (que são muitos) em defesa das "conquistas trabalhistas" permitiu aos trabalhadores ligados aos sindicatos fortes (que são poucos) conquistar salários anormalmente altos e incompatíveis com sua produtividade.
(I) A lenga-lenga da Teologia da Libertação deu azo a que pessoas intelectualmente primárias ganhassem notoriedade nacional e fossem levadas a sério. Essa gente, em maioria padres, também se sentiu merecedora da salvação eterna, por pugnar pelos pobres e oprimidos.
(iii) Os revolucionários marxistas tomaram o poder em várias partes do mundo e o mantiveram por um tempo próximo à eternidade, beneficiando a si próprios da forma a mais desabrida.
Riqueza é produção
Lula e seus amigos estão errados. Contrariamente às convicções mais arraigadas da esquerda, o que torna as pessoas ricas é a produção, não o discurso. Sendo assim, só podem superar a pobreza de sua gente as sociedades altamente produtivas. E o fato é que, até hoje, a humanidade não inventou nenhuma forma de organização econômica mais capaz de gerar riqueza do que o capitalismo operado pelos mercados livres e ancorado na propriedade privada dos "meios de produção".
Não há, portanto, outra forma de defender os pobres (ao invés de iludi-los e usá-los) que não seja facilitando o desenvolvimento do capitalismo. Talvez Lula, um dia, entenda isso, se lhe for dada a oportunidade, aí pelo vigésimo ano de cadeia. Eu duvido.

(Publicado no Facebook em 16/7/2017)

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