terça-feira, 22 de setembro de 2015

Medicina natural no Amazonas (1861)

Gustavo Maia Gomes
Daniel Maia Gomes (em Belém do Pará, dezembro de 1995) foi o primeiro da família a tratar uma infecção de pele com o óleo de copaíba. Isso aconteceu em Soure, Ilha do Marajó, na mesma viagem da foto. Os resultados foram ótimos.
Começo com uma história familiar. Em dezembro de 1995, estava eu em Soure (Ilha de Marajó) com meus filhos Pedro e Daniel, então crianças. A mãe deles nos acompanhava. Daniel apareceu com um furúnculo preocupante. Na farmácia, não havia remédio convencional; alguém indicou óleo de copaíba. Segui o conselho. O efeito foi rápido, positivo, espetacular. Aprendi um pouco da sabedoria índia.
(***)
Volto, agora, 150 anos no tempo. Em meados do século 19, na Província do Amazonas, a atividade econômica quase se resumia a extrair da floresta tudo o que pudesse ser vendido rio abaixo, em Belém. Mesmo assim, a Província participou da Exposição Nacional da Indústria, que Pedro II mandou organizar no Rio de Janeiro, em dezembro de 1861.
Na mensagem do Presidente do Amazonas, Manoel Clementino Carneiro da Cunha, à Assembleia Legislativa (1862) há um anexo descrevendo os itens enviados à Corte, que incluíam muitas drogas medicinais. Fiquei fascinado, mas não surpreso. Ainda hoje, o Mercado do Ver-o-Peso, em Belém, é cheio de produtos da floresta capazes de curar desde dor-de-corno até unha encravada. Acontece o mesmo em Manaus.
Transcrevo a parte do anexo (denominada “Relatório D”) à mensagem de Manoel Clementino que descreve as ervas medicinais enviadas. Por alguma razão, não há referência (neste documento, em outros, sim) ao óleo de copaíba. Desafio aos meus amigos do Pará – e se houver algum, do Amazonas – a dizer que os conhece todos.
1. MURURÉ. Líquido extraído por incisão no tronco de uma árvore deste nome. É vermelho, um pouco leitoso. Depurativo e antissifilítico poderoso, chama-se vulgarmente azougue vegetal.
2. MANACAU. Arbusto cujo tronco e folhas tem propriedades antissifilíticas. Usa-se da infusão destas partes da planta internamente. Quando o reumatismo articular tem sua principal causa na sífilis, [ele] desaparece facilmente com o uso deste medicamento.
3. MOIRAPUAMA. Raiz de um arbusto do mesmo nome. Excitante geral e afrodisíaco dos mais enérgicos. Usa-se interna e externamente e, neste último modo, tem aproveitado nas paralisias locais. Emprega-se a infusão ou a tintura.
4. TAMAQUARÉ. Óleo de uma árvore do mesmo nome. Extrai-se golpeando o tronco e colocando nos golpes algodão, que se embebe do líquido. Espremendo-se depois o algodão, passa-se o líquido para uma vasilha. É um anti-dartroso muito enérgico. [“Dartro” é um nome genérico das crostas ou das esfoliações produzidas por diversas doenças da pele.]
5. SASSAFRÁS. Óleo extraído por incisão do tronco do “laurus sassafraz”. É um excitante do sistema nervoso e emprega-se com maior proveito no tratamento das soluções de continuidade frescas [?] Nesta espécie, são mais prontos seus resultados do que os da Arnica. Aqui, só os médicos sabem que a raiz e a casca deste arbusto têm uso na Terapêutica.
6. ACAUÃ CAÁ (Guaco). Arbusto cujas folhas em infusão ou tintura se empregam com muito proveito no tratamento de reumatismo e das mordeduras de cobras de vírus [sic]. Suspeita-se que seja antissifilítico.
7. CAÁ IXIÚ. Diz-se que a infusão das folhas desta planta aproveita o tratamento da asma.
8. SUCUBA. Leite de uma árvore deste nome. É purgativo, bem como a infusão da casca da árvore. Externamente, aproveita no tratamento do reumatismo articular, emplastando com ele o lugar ou as articulações infestadas.
9. MARUPÁ MIRY. Diz-se que a raiz deste arbusto em infusão aproveita nas diarreias.
10. MARUPAI. A casca deste arbusto é um calmante poderoso. Aproveita muito nos vômitos e disenterias rebeldes. Aplica-se em infusão ou cozimento internamente. Em emplasto, a casca ralada é bom cicatrizante.
11. QUINA. Uma das espécies do gênero cinchona. Não é boa a da amostra. Seus usos são por demais conhecidos em toda a parte. Já foi grande ramo de comércio desta província. Em 1820 ainda se exportaram 41 arrobas. [“Cinchona é um gênero de aproximadamente 40 espécies da família Rubiaceae. São arbustos de folhagem persistente naturais da região tropical da América do Sul que crescem entre 5 e 15m de altura. Algumas espécies produzem o quinino” (Wikipedia). O quinino é usado ainda hoje no tratamento da malária.]
12. UCAÚBA. Leite da planta do mesmo nome. Aplica-se com proveito nas úlceras da mucosa da boca e faringe. A infusão da casca desta planta aproveita muito no tratamento das flores brancas. [Flores brancas (Leucorréia): doença venérea, corrimento vaginal].
13. LEITE DE SORVA. Leite da sorveira, planta que dá um fruto (sorva) semelhante ao mucugê da Bahia, É boa cola e os índios do Rio Negro servem-se dele na preparação de ralos para ligar a matéria às pontas de pedra. Bebe-se. Deve ser analisado.
14. ABUTUA. Raiz de cissampelos pasciva. É da melhor. Seus usos são conhecidos em toda parte. [“A espécie Cissampelos sympodialis (Menispermaceae) é utilizada na medicina popular e indígena para o tratamento de desordens inflamatórias, incluindo a asma. Liane Franco Mangueira et alii, Revista Brasileira de Ciências da Saúde, 14 (2), 2010.]
15. CAFERANA. Raiz do arbusto do mesmo nome. É excelente antiperiódico e aplica-se em infusão ou tintura. Usa-se internamente.
16. GAPUÍ. Raiz do arbusto de mesmo nome. Macera-se a raiz n’água, decanta-se, e aplica-se, em mistura com água, a goma, que se deposita. É remédio pronto para as oftalmias.
(***)

De volta ao presente. Segundo uma reportagem do Portal G1 Amazonas (“Venda de ervas da Amazônia sustenta família”, 20/8/2012) a loja de Nora Garcia, localizada por trás do Mercado Adolfo Lisboa, em Manaus, comercializa 450 tipos de erva. Cólicas de bebê, depressão, dor de estômago, alguns tipos de câncer e Acidente Vascular Cerebral são algumas dos problemas para cuja solução os clientes costumam recorrer às ervas amazônicas, diz Nora.

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