quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Recordando Chico Anísio (1931-2012)

Gustavo Maia Gomes

Francisco Anísio de Oliveira Paula Filho integra o time dos grandes humoristas brasileiros, ao lado do Barão de Itararé (1895-1971), Stanislaw Ponte Preta (1923-68) e, naturalmente, Millôr Fernandes (1923-2012).
Graças à internet, uma parte expressiva da obra de Chico Anísio está, hoje, ao alcance de um clique. Mas, não tenho pretensões de resenhar a sua produção Quero, sim, registrar algumas lembranças pessoais relacionadas a histórias contadas por ele.
O Professor Beira Baixa vivia criando soluções complicadas para problemas simples e, quando o interlocutor aparentava espanto, ele esclarecia: "quem inventa é inventor; eu invento; logo, sou inventor". Meu pai gostava e, com frequência, repetia a mesma frase em nossa casa.
Joca, outro personagem, era um sujeito tão tímido que, quando alguém o surpreendia (ele estava sempre se escondendo das pessoas) e perguntava: "Quem é você?", invariavelmente, ouvia a resposta: "Não é ninguém, não; é o Joca".
Mas a melhor história de Chico Anísio, dentre aquelas que se mesclam às minhas lembranças de vida, é uma de Esquerdinha. Acho até que já a contei aqui. Peço desculpas, se for o caso. Mesmo assim, vale repeti-la. Não é uma piada, mas uma aula de economia, contada em um tempo -- anos 1960 -- no qual pouquíssimos de nós, estudantes, professores, economistas, jornalistas podiam perceber sua lição essencial.
Criado nos primeiros anos da ditadura militar (talvez, até, antes disso), Esquerdinha era um típico agente do Partido Comunista, naturalmente, disfarçado. A quem abordasse, tentava convencer de que bom mesmo era "lá". Essa última palavra, ele a pronunciava com especial entonação. E completava: "Vai lá que você vai gostar".
A maquiagem fazia a cabeleireira de Esquerdinha nascer dois centímetros acima das sobrancelhas, mas seu bordão era: "Confie em mim, que sou um homem de testa larga". Numa dessas conversas de rua, sempre olhando para os lados, para ver se a Polícia estava perto, Esquerdinha encontra um amigo recém-saído de uma loja de sapatos carregando uma caixa.
-- O que é isso? pergunta Esquerdinha.
-- Sapatos, reponde o outro.
-- Como fez para consegui-los?
-- Ora, entrei na loja e os comprei. Por que?
-- Porque "lá" não é assim, não.
-- E como é?
-- Primeiro, você entra num lugar que tem escrito em cima "sapatos".
-- Mas aqui também é assim.
-- "Lá" é diferente. Depois da porta com o nome "sapatos", há um grande corredor, cheio de sinais: "siga em frente", "dobre à direita em 100 m" e outros. Quando chega o final, a gente dobra à direita. Tem mais placas: "atenção: sapatos, à esquerda, em 80 m". Dobramos à esquerda. Entramos em outro corredor, andamos uns 50 m. Há uma porta. Abrimos a porta e estamos, de novo, na rua.
-- Mas, e os sapatos?, pergunta o amigo de Esquerdinha, confuso.
-- Sapatos, não tem. Mas é uma organização!
Com 30 anos de antecedência, Chico Anísio (ou quem tenha escrito isso para ele) antecipou as razões para a inevitável falência do socialismo. Contei essa história muitas vezes aos meus alunos, a maioria, naturalmente, "esquerdinhas" convictos. Alguns entenderam, outros, não. Esses, devem estar trabalhando para o PT, hoje em dia.

(Publicado no Facebook, 7/9/2015)

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