quarta-feira, 3 de outubro de 2018

PROBLEMAS DE HIERARQUIA

Gustavo Maia Gomes
(Recife, 1-10-2018)
Às vésperas de uma escolha presidencial que pode desencadear histórias futuras antagônicas, vivemos uma situação estranha. Perigosa. De um lado, está o candidato petista. Ele pretende manter a situação dos últimos 16 anos (o hiato Temer será rapidamente esquecido; a rigor, nem precisa ser considerado). De outro, o seu único contestador DE FATO com alguma aparente probabilidade de sair vitorioso.
A situação que o candidato petista quer manter é esta: desemprego recorde, recrudescimento da pobreza, estagnação econômica, desmoralização das instituições pelo loteamento de seus cargos, corrupção generalizada, assalto aos fundos de pensão, pilhagem das empresas estatais,...
... cerceamento da liberdade de opinião, apoio a invasões de propriedade, aliança com os piores regimes da América Latina (inclusive com aquele cujo povo foge aos milhares, em busca de alimentos e papel higiênico), caos na segurança, educação básica em ruínas -- preterida pelo demagógico apoio à formação de “doutores” que mal sabem ler.
Como o partido do primeiro candidato, o PT, já fez isso antes -- sem jamais ter-se declarado arrependido --, sendo o responsável direto pela situação a que chegamos, devemos acreditar que será capaz de o fazer de novo, agora com ainda maior voracidade, pois tem sede de vingança.
Se esse cenário realista não preocupa os caros leitores, então que votemos todos em Haddad, para evitar o que teria de ser, pela força da lógica, um mal maior.
No polo oposto, está Bolsonaro. Nunca foi meu candidato. Eu queria votar em Alckmin, e o faria, se ele tivesse assumido uma postura vigorosa de oposição ao PT. Mas, Alckmin desprezou o meu voto. Contrariamente ao que penso, ele acha o “problema Bolsonaro” mais sério que a revanche petista.
Muito bem, mas em quê e a quem Bolsonaro mete medo? Qual é, afinal, o grande argumento contra ele? -- “É homofóbico”, dizem os críticos. “Despreza as mulheres”, afirmam outros. “Vai nos trazer de volta a ditadura militar”, garantem os entendidos.
Dessas acusações, ou temores, o que merece ser considerado real e o que, claramente, não passa de fantasia eleitoreira? Comecemos pelo terceiro: Bolsonaro quer trazer de volta o regime militar? Suponha que sim e pergunte, em seguida: ele será capaz disso? Existe alguma ameaça concreta de que os militares deem um golpe para se reapossar do poder no Brasil? Eles querem isso? Deram mostras de querer?
Negativo, para as quatro perguntas. Não é impossível que o perigo venha a existir, no futuro, mas isso pode acontecer tanto num governo Haddad quanto num governo Bolsonaro. Em meu palpite (só um palpite), acontecerá mais provavelmente com Haddad na presidência.
O argumento do golpe militar subsequente à vitória de Bolsonaro fica, portanto, descartado. Restam-nos as supostas homofobia e antifeminismo do único candidato que dá mostras de ser capaz de vencer o petismo.
Vamos supor, para dar curso ao argumento, que, nesses casos, as alegações sejam verdadeiras. O Brasil terá, portanto, eleito um presidente que proibirá as marchas do Orgulho LGBTI. Lamentável. Talvez, também tente impedir que algumas mulheres mostrem a bunda para o grande público, em demonstrações de militância política. Igualmente, lamentável. A bunda é delas; vê quem quer.
Mas, meus amigos, em que país vocês prefeririam viver: aquele onde faltará papel higiênico, a inflação estourará, o desemprego continuará alto, a imprensa estará amordaçada, a Petrobras voltará a ser assaltada, os presos por corrupção se tornarão ministros, a mulher sapiens fará discursos como líder do governo no Senado...
Ou vocês tolerariam melhor viver em um país onde, lamentavelmente, o presidente é retrógrado, não gosta de gays e prefere que as mulheres lutem por sua ascensão social e política usando métodos que ele julga civilizados? Eu sei em qual dos dois países eu preferiria viver, sem achar nenhum deles o ideal. Não é o mundo petista.
Acontece, meus caros, que os problemas também têm hierarquia. E uma bunda recolhida à sua privacidade, por lamentável que seja esse cerceamento ao direito universal de alguém exibir o próprio traseiro, não representa incômodo nem mesmo remotamente comparável ao de se ter uma economia em frangalhos, destruída por um governo de corruptos já identificados pela Justiça.

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