sexta-feira, 9 de junho de 2017

Observações envergonhadas de um ex-acadêmico

Gustavo Maia Gomes

Fui professor universitário durante quase 30 anos. Sempre defendi a tese de que a remuneração dos professores deveria ser relacionada à respectiva titulação e, sobretudo, à produtividade. Aos desavisados, poderia parecer que a tese, finalmente, triunfou. Talvez, sim, mas à moda daquele pensamento devastador, que não é meu: "a tragédia do idealista é ver sua ideia realizada de uma forma que lhe destrói o ideal".
-- Como assim? -- Explico. -- Desde logo, importa notar que, em áreas como Direito, Medicina, Administração e Economia, entre outras, a "produtividade", se fosse adequadamente definida, teria a ver não apenas com o número de teses orientadas ou artigos técnicos publicados, mas também com a participação do professor em instituições relevantes do "mundo real", extra-muros: escritórios de advocacia, hospitais e clínicas médicas, empresas privadas e públicas, institutos de pesquisa econômica, secretarias de fazenda, Banco Central... Pois é no mundo real que as ideias falsas afundam e as corretas triunfam.
Portanto, quando um professor dedica parte do seu dia (ou se afasta temporariamente da Universidade) a fim de exercer atividades em instituições como essas, ele aprende coisas importantes e se capacita a transmitir informações valiosíssimas aos seus alunos. É diferente, sim, em áreas como Física, Química, Astronomia, nas quais, em boas universidades, o mundo real está na sala ao lado, intramuros: o laboratório de primeira linha, o observatório espacial ultra moderno...
Infelizmente, na modernização da Universidade brasileira, ocorrida a partir dos anos 1960-70, prevaleceu a ideia de que o único regime de trabalho compatível com a seriedade acadêmica seria o de tempo integral e dedicação exclusiva: a Universidade fechada em si mesma. Era uma ideia que pode ter funcionado para os departamentos de ciência experimental, mas que se revelou desastrosa nas áreas de conhecimento (também) "prático" que mencionei acima.
O triunfo desse ideal da Academia torre de marfim reforçou tremendamente o poder daqueles professores "endógenos", que nunca sairiam da Universidade, não porque não o quisessem, mas porque jamais seriam convidados a tal. E terminou levando a uma definição oficial de produtividade -- a ser recompensada com promoções e salários mais altos -- que leva em conta apenas números de artigos publicados, de teses orientadas, de participação em bancas. Ou seja, somente atividades exercidas no âmbito estritamente universitário.
Isolando-se do mundo real (e, reciprocamente, sendo ignorados por ele), quase todos os departamentos universitários de Administração, Economia, Sociologia, Serviço Social e outros semelhantes se tornaram usinas produtoras de besteiras, dominadas por professores que conhecem os livros (frequentemente, os livros errados, escritos por verborrágicos filósofos e economistas franceses), mas desconhecem a realidade. E que se outorgam uns aos outros certificados de alta produtividade medida por critérios que eles mesmos inventaram.
Para piorar as coisas, quem está preso a esse circuito kafkiano (e faz disso seu ideal de vida), não tem outra opção além de dançar conforme as regras estabelecidas.
Dessa forma, mesmo professores inteligentes são constrangidos a escrever artigos em série (e reproduzi-los em variantes mil) onde problemas falsos recebem soluções erradas. A orientar dissertações e teses cuja irrelevância procuram ocultar com o emprego de cavalares doses de estatística. A participar de congressos dos quais o único resultado certo é a perda do tempo gasto em ouvir tanta bobagem, quando se poderia ter ido assistir a um jogo de futebol no meio da torcida organizada.

(Publicado no Facebook em 13/4/2017)

Nenhum comentário:

Postar um comentário