sexta-feira, 9 de junho de 2017

A explicação se chamava Rinaldo

Gustavo Maia Gomes

Pode parecer piada, mas, na década de sessenta, o Náutico era um dos melhores times de futebol do país. Ganhou seis vezes seguidas o campeonato pernambucano. Venceu por cinco a três na Vila Belmiro o Santos de Pelé – o Santos no auge; Pelé no auge –, disputando o título da Taça Brasil. (Perderia, em seguida, para o mesmo Santos, no Maracanã, por um a zero, terminando como vice-campeão.) O Náutico era, sim, um fenômeno.
Pois bem, um dia, aquele Náutico, no seu estádio dos Aflitos, recebeu a visita do Treze de Campina Grande (PB). (Aflitos é um bairro do Recife. Na época, não era um estado de espírito. Hoje, tenho minhas dúvidas.) Fui ver o jogo. O Treze era um time bonzinho. Só isso. Ninguém imaginaria que ele vencesse o Náutico. Ainda mais, o Náutico jogando em casa. Mas, venceu. E por três a zero! Não podia acontecer, mas aconteceu. Como? Por que? Me explique.
— A explicação chamava-se Rinaldo.
Era o atacante principal do Treze. Um fenômeno. O Náutico o contratou imediatamente. Foi campeão pernambucano pelo time dos Aflitos. Um ano depois, estava no Palmeiras de São Paulo e na seleção brasileira, onde fez dupla com Pelé e muitos gols. A explicação chamava-se Rinaldo. Rinaldo Amorim.
Por que me lembrei disso? Pelo seguinte. Tem havido, no Brasil dos últimos anos, alguns fenômenos inusitados. Gente rica e poderosa sendo processada, condenada e presa (não necessariamente nesta ordem). Ex-governador tirando fotos de frente e de perfil vestindo o pijama da cadeia. O antigo homem mais rico da Via Láctea (rico com nosso dinheiro, ressalve-se) vendo o sol nascer quadrado. Nunca tinha havido isso. Não podia acontecer, mas aconteceu. Como? Por que? Me explique.
— A explicação chama-se Sérgio Moro.
(Para ser mais preciso, Sérgio Moro e os procuradores da Lava Jato.) Sei que, com isso, atribuo enorme responsabilidade a um grupo tão pequeno de pessoas. Sei que outros juízes e procuradores (em Brasília, no Rio de Janeiro) têm seguido o exemplo de Curitiba. Vivam eles! Sei que, anos antes, já tinha havido o Mensalão. (No qual, entretanto, no fim das contas, só o homem da mala foi exemplarmente punido.)
Sei de tudo isso, mas também sei que Moro tem sido a diferença. O Treze não teria goleado o Náutico se não existisse Rinaldo; o Brasil não veria um Odebrecht preso se não houvesse aquele juiz em Curitiba. (Ainda lhe falta prender Lula, mas o dia chegará.)
A Justiça brasileira, em regra, é um desastre. Em particular, os ministros dos tribunais superiores (com poucas exceções) parecem vedetes de teatro rebolado, ou ignorantões irrecuperáveis, ou gente de honestidade duvidosa. Dali nunca saiu, nem sairá nada que preste. (Mesmo o inusitado julgamento do Mensalão teve um desfecho melancólico.) O atual espetáculo deprimente em exibição no Tribunal Superior Eleitoral só difere de outros cem que já aconteceram ali por ter um público maior.
O pouco-muito que o Brasil mudou – e temo que não o tenha feito permanentemente – só tem uma explicação. E ela não se chama Rinaldo.

(Publicado no Facebook, 9/6/2017)

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