quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

ADEUS AOS BONDES

Gustavo Maia Gomes
30-12-2018
Tenho vagas lembranças dos bondes do Recife, que pararam de circular em 1956 ou 1957. Sobre eles, Mario Sette (1886-1950) escreveu belas páginas. Como esta a seguir transcrita, que fala do dia em que os bondes puxados por burros deram lugar aos que se moviam pela força elétrica.
“A 13 de maio de 1914 correram pelo centro da cidade os primeiros bondes elétricos. Ouviu-se, para nunca mais, o estrépito, tão familiar aos recifenses, das patas de burros no calçamento das ruas. E os estalidos dos chicotes dos boleeiros, quase sempre acompanhados de exortações ou ameaças:
– Anda, burra! ... Corre, diabo! ...
(...)
Os bondes de burros recolhiam-se aos arrabaldes para não voltarem à cidade – àquele Recife que eles ajudaram sobremodo a democratizar, no convívio popular de seus bancos, aproximando o capitalista do largo do Corpo Santo do ‘capoeira’ de Santo Amaro; a dama lorde da Passagem da Madalena, da costureira pobre da Torre; a menina rica do Colégio Pritaneu, da órfã da Estância; o chefe de seção de cartola e fraque, do amanuense de paletó de alpaca e chapéu de massa.
Nesses bondes discutia-se a Abolição, a República, a Revolta da Armada, a Guerra de Canudos, o Quebra-quebra Lampião, a Peste Bubônica, o Balão de Zé da Luz e a Campanha Dantista, com todos os seus boatos e entusiasmos.
Era um grande capítulo da vida da cidade a se encerrar. O Recife ia ser um outro Recife.”
(Mario Sette, “Arruar: História pitoresca do Recife antigo”. Rio de Janeiro, CEB, 1948, págs. 118-19)
“Arruar” é um livro gostoso de ler. Ainda hoje, setenta anos passados desde sua primeira edição.

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