quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

CHÁ PRETO E PENTE

Gustavo Maia Gomes
Recife, 10-1-2019
Não me lembro de jamais tê-lo visto nas ruas. Meu irmão Ivan, quatro anos mais velho que eu, sim. Ou creio que sim. Mauro, meu pai, com certeza, nas suas andanças do escritório de advogado até o Palácio da Justiça.
Ele comentava: “a pessoa vende duas coisas que não têm nada em comum. Chá preto e pente. Nada mais. Pois Chá Preto e Pente virou seu nome. Se já teve outro, caiu no esquecimento”. As palavras de Mauro podem não ter sido, exatamente, essas. O sentido, sim.
Branco, mas pobre, vendedor de rua carregando uma pequena caixa, Chá Preto e Pente foi uma celebridade local, em meados do século passado. Há muitos testemunhos disso. Por exemplo: “Quem não conheceu esse tipo recifense que, entre um grito e outro de ‘chá preto e pente’, introduzia uma observação maliciosa, algumas vezes soprada por alguém que lhe dava uns trocados?” (Waldimir Maia Leite, jornalista, 1977).
Ou esta: “Nas ruas do Imperador e Duque de Caxias, todo mundo conhece o ‘homem do chá preto e do pente’. Vive do produto da venda dessas bugigangas. Mas não vive essencialmente disso. É o porta voz alugado do povo. Não raro, ouvem-se os seus pregões contra determinado cidadão, contra certo político. Mete o pau. ‘Lasca a lenha’ contra qualquer ser vivente – ou morto mesmo” (Ronildo Maia Leite, jornalista ,1954)
Zezito Neves, poeta, definiu-o como “o velhinho conhecido das ruas do Recife que, com suas caixinhas vendendo os mesmos objetos, encontra na rotina algo novo e grita ‘novidade’!” (1968) Ao que completou Lourdes Sarmento, também poeta”, no mesmo ano: Chá Preto e Pente "vai pelas ruas dando sermões, fazendo críticas, com sua filosofia particular de um dos tipos mais interessantes do Recife”.
Não obstante vender sempre as mesmas coisas, Chá Preto e Pente propagandeava seu negócio gritando “Novidade, novidade”. Essas palavras também grudaram nele. Tanto que, uma vez, o jornalista Fernando Luís, da Revista do Rádio, perguntou a um entrevistado qual deveria ser o novo presidente da República. Jacques Gonçalves, ator do rádio pernambucano, respondeu – “Chá Preto e Pente. [Ou seja] novidade!” (1954).
Entre 1967 e 1970, frequentei diariamente o centro do Recife, trabalhando como repórter do Jornal do Commercio. Nunca encontrei Chá Preto e Pente. Neste mesmo ano, Severino Barbosa, jornalista, escreveu: “Já se foi o tempo [dele]”. Eu chegara tarde, portanto. Que pena!

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