quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

FAZENDO ARTE MOSTRANDO AS PARTES

Gustavo Maia Gomes
Recife, 27-12-2018
Lourdes Barbosa e eu assistimos, recentemente, dois filmes. Para a crítica especializada, “Roma” (Alfonso Cuarón, diretor, 2018) é uma obra prima; “A Dama Dourada” (Simon Curtis, 2015), um filmezinho qualquer.
Minhas impressões sobre o primeiro:
(1) Vendo o filme, ninguém adivinha que Roma é essa. Dou um doce para quem acertar um palpite, sem ler as resenhas. Mas, como disse Lourdes: se precisa manual de instruções, não pode ser bom.
(2) Embora existam momentos de emoção, são raros. Para mim, a cena mais impactante é a do pneu esmagando cocô de cachorro na garagem da casa. Foi m. pra todo lado.
(3) A descrição do cotidiano da empregada Cleo tem certo valor sociológico. Mas, segundo consta, a intenção do diretor não era essa. Não me pergunte qual era; sem ler os críticos (que, certamente, entrevistaram Cuáron com antecedência), duvido que alguém fique sabendo.
(4) Nenhum personagem, exceto Cleo e a mãe dos meninos, é representado satisfatoriamente. A avó parece uma jaca mole posta em pé; a outra empregada só faz repetir “maninha, maninha”; o pai chega em casa num Galaxy e sai num Fusca – é tudo; do namorado de Cleo, somos obrigados a ver a parte do corpo que um certo João gostava de mostrar às clientes. (Imagino que esse tenha sido considerado o ponto alto do filme.)
(5) A fotografia, em preto e branco, é bonita. Não tanto quanto um livro-álbum de Sebastião Salgado, mas, vá lá, bonita. Daí a evitar o naufrágio da obra, vai uma grande distância. "Roma" é uma chatice metida a besta. Não para os críticos que lhe deram o Leão de Ouro em Veneza.
E, sobre o segundo:
“A Dama Dourada” não recebeu prêmio algum, apesar de Helen Mirren ter sido indicada para melhor atriz. O consenso da crítica (site Rotten Tomatoes) é que o filme dá “tratamento decepcionante [dull] a uma fascinante história real”.
Discordo de cabo a rabo. Assistir “A Dama Dourada” deu-nos grande prazer, a Lourdes e a mim. Além da “história [real] fascinante", os personagens são bem descritos e interpretados, a fotografia é belíssima, a interpenetração de cenas do passado e do presente (os dois tempos, às vezes, coincidindo) é bem feita e impactante, o enredo se desenvolve na velocidade certa e nos faz pensar, o filme não precisa de manual de instruções para ser entendido.
Por fim, não há em “A Dama Dourada”, nenhuma exposição gratuita dos órgãos genitais da mulher madura ou do homem jovem. Os críticos devem ter dito: "onde já se viu tamanha insensibilidade artística?"

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